Capítulo 1

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-Qual o tom do amor? -Veio uma voz por trás da capa de meu livro

-O que ?

-Qual o tom do amor?- A voz fina, doce e infantil repetiu a pergunta, permito olhar a pequena, seus cabelos eram de um castanho escuro e lisos, devia ter uns cinco anos, ela sorria levemente seu sorriso banguela, e aguardava então sua resposta

-Que pergunta é essa mocinha, cadê seus pais?

-Seu livro é tão cheio de tons, e me parece um romance, mamãe nunca gostou de romances, e sinceramente acho que meu pai nem leu um livro sequer.Então me pergunto, que tom é o amor, pois seu livro parece tão, TÃO colorido...

Era uma criança estranha, de onde sabia tantas palavras complicadas?

-Onde estão seus pais?

-Não sei, e sendo completamente verdadeira, eu preferia continuar assim, longe, eles ainda não se deram conta que sumi.

Isso me apavorou num nível tremendo, estava a sós com uma menininha e por mais que nunca desconfiariam que uma mulher como eu roubaria uma criança, ainda assim, parecia incriminador, de fato, deveria levar ela a um guardinha que seja.

-Você deveria voltar pra casa

-Eu não tenho casa- Ela rebateu

-Você mora aonde, então?-Digo em parte curiosa, mas já irritada, precisava levar essa criança pra longe, eu estava bem sozinha naquele banco na praça, mas como eu mesma disse, eu ESTAVA, pois fazia uns sete minutos que ela me olhava estranho e pedia um tom para o amor, e alegava que não queria voltar para casa, que não tinha uma, como se essa garotinha tão bem vestida não tivesse alguém que cuidasse dela

-Eu não tenho onde queira voltar, não tenho casa, se pergunta se moro em um endereço, eu moro, mas não tenho casa, casas são lugares que normalmente ansiamos voltar, eu não quero voltar para o endereço. Ninguém nem ao menos me espera lá. Eles não se deram conta que sumi

-Se há endereço, há onde voltar! Oras que raios de maldição é essa, garota?- Digo já perdendo a paciência

-Eu não vou voltar lá- Ela olha no fundo dos meus olhos - Nós não voltaremos lá

Ela me volta a olhar mais fundo e eu entendo que realmente, ela não voltaria lá, e não estava tão tarde, era horário de almoço, alguém perceberia que ela não voltou para casa, e eu passaria com ela na delegacia perto da minha casa se alguém demorasse a procurar ela.

-Qual tom você acha que o amor tem? -Revidei a pergunta

-Ele tem tons azuis, e pretos, mas acho que são tão escuros, e no fim obscuros, não sei se o tom deveria ser esse, seu livro é tão mais, feliz...

-Não sei que tom o amor deveria ter, eu sinceramente não penso sobre isso, não gosto do amor

-Se não gosta, está lendo este romance por quê?

-Acho que gosto de tentar entender coisas, que ainda não entendo

-Você não sabe o que é amor?

-Bom, meramente uma ideia, mas eu realmente não sei nada sobre o amor, nunca vivi

-Eu não sei se o que eu vivo é amor, mas ele claramente tem tons azuis. E pretos.

-Tons tão obscuros assim?

-Talvez amor não tenha um tom?

-Você acha mesmo ?

-Não

O silêncio paira sobre nós, a praça parecia vagamente vazia, sem carrinhos de sorvete, além de passáros e o vento balançando, havia somente os carros nos cenários ao fundo, o momento era claramente o mais estranho, e eu estava com uma criança muito esquisita, que vestia um vestidinho rodado e tinha cabelos tão sedosos, e não queria voltar para casa, eu adoraria chegar em casa e ter alguém pra deixar meus cabelos sedosos, que por acaso estavam num coque muito mal feito que faço só pra deixar o vento bater na minha nuca, eu estava literalmente um caco. Eu era apenas eu, uma pessoa vestindo uma calça legging com uma bota gasta e uma blusa de batman, que por mais que não seja eternamente fã de DC como sempre fora obcecada por marvel, meu irmão adorava, ele era meu batman, ele realmente amava o batman, então gostava automaticamente de objetos de batman, no final, meu irmão influenciou o início de meus próprios gostos

-Você tem irmãos? - Resolvi cortar o silêncio, apesar que para a pequena o silêncio parecia confortável a sua própria maneira

-Tenho, um, apesar que preferia às vezes ter dois, era para ter uma irmã, mais velha, acho que ela seria melhor que eu em tudo, mas ai poderia me ensinar, meu irmão não gosta de muitas coisas que eu, mas serve de companhia, ele é meu irmão afinal, deve ser isso que irmãos fazem, companhia.

Me peguei a divagar de novo, que raios de menina estranha, ela me fazia pensar, e pensar e sempre pensar, e meu irmão? Ele me fazia companhia? Não, ele se fora há tantos, quando finalmente me aceitei ele se fora, eu no final não tinha companhia. Talvez nem eu fosse uma boa companhia para mim.

-Ele é uma boa companhia?

-De vez em quando, mas sei que tenta ser, e o sorriso dele é lindo, ele sempre foi incrível, quero ser ele quando crescer, sempre pensei que se eu nascesse menino eu obviamente queria ser meu irmão

-Talvez você possa ser, independente de como nasceu

-Você quer dizer que posso ser como meu irmão? Ou menino?

-Quem sabe, os dois

-Acho que seria interessante, eu poderia brincar de lutinha sem minha mãe falar pra ele parar de brincar de coisas de menino comigo, eu odeio isso. Eu que sempre peço pra ele lutar comigo, e eu sei, que ele sempre me deixa ganhar, isso quando não acerto ele de verdade e ele me xinga por dias.

Eu rio, parecia uma infância interessante

-Você não sente fome? Você saiu há quanto tempo de casa?

-Não sinto fome, não de comida

-Como assim?

Ela ri pra mim

-Eu sinto fome de outros tons, eu acho que apesar de amar o tom azul do céu, eu realmente sinto fome, sede de outros tons sem ser esses azuis. Acho que eu sinto fome do que todos nós precisamos, todos precisamos de amor- Ela me olha novamente no fundo dos olhos e encara novamente uma nuvem passear pelo céu

-Eu acho- Olho no céu junto com ela, e vejo a nuvem em formas que não reconheço - Que sinto falta de viver, sabe? De viver, de sentir, tudo isso.Sabe?

-O que eu sei? É que sou uma criança, e bom, eu sei que se você quer sentir, o começo é sempre,sempre, se permitir

Eu olhei o céu novamente ao invés da criancinha e pude finalmente ver um leãozinho, eu gostava de leãozinhos, eu sempre seria um, eu ri comigo. E pude ouvir a criança emitindo uma risadinha fina e estridente, pensando talvez em algo parecido, algo acolhedor

Qual o Tom do Amor?Onde histórias criam vida. Descubra agora