Sinceridade

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Chico

Benício e eu fomos os últimos a sairmos de casa. Dessa vez, até meu pai foi para a festa. Não seria algo muito grande. Aparentemente era uma pequena festividade entre os vizinhos para comemorar o nascimento do filho de uma das ômegas por ali. A garota tinha dificuldade de engravidar e quando finalmente deu à luz, foi motivo de festa.
Ele estava lindo, com uma camisa social rosa, uma calça branca e um chapéu na cabeça. Ele reclamou do fato de eu estar usando um vestido mas eu fingi que nem liguei. Gosto de me vestir desse jeito. Eu me sinto bem. A sensação de ter as pernas livres é boa.
— Você fala de mim, mas toma cuidado para não te confundirem com o boto, tá? — Comentei enquanto caminhávamos na direção da residência da vizinha.
— Como assim? — Ele ergueu a sobrancelha.
— Tipo, você tá de blusa rosa e chapéu. Daqui a pouco vão tirar isso aí da sua cabeça para verem se não tem um narina de peixe escondida aí embaixo. — Brinquei com ele, soltando uma gargalhada.
— Isso é só uma forma de você dizer que eu sou irresistível, não é? — Revirei os olhos diante de sua prepotência.
— Argh, que convencido. — Dei uma corridinha para sair de perto dele e chegar mais rápido na casa.
— Eu sou realista, é diferente. — Ele fez o mesmo tentando me alcançar e eu dei risada.
— Uhum, devia estar falando essas coisas pra sua esposa, e não para mim. — Enfiar a tal Stephanie na conversa é uma forma de me manter são e tentar não escorregar entre os limites no meu relacionamento com Benício.
— É, mas ela não tá aqui e você sim. — Ele se aproximou e eu o afastei, o empurrando com uma mão.
— Quer parar de tentar me seduzir? Não vai rolar, tá bom? Se quiser trair sua esposa, procure outra pessoa. — Cruzei os braços. Nem eu mesmo acredito nas palavras que acabaram de sair da minha boca.
— E quem disse que eu tô tentando te seduzir, deixa de ser doido. Você sabe que eu gosto de mulher e eu sou 100% fiel.
— Aham. — Murmurei baixinho e ele franziu o cenho, me olhando de sobrancelha erguida. — Só para de falar essas bobagens.
Ele me obedeceu, e o resto do caminho foi em silêncio. Menos mal porque eu já não sabia mais o que fazer ou falar diante dele. Estava me sentindo estabilizado e sensível. Seu cheiro de bambu estava inebriando meus pensamentos. A sorte foi que um aconchego encheu meu peito assim que chegamos na casa. Estava todo mundo no quintal da frente. Tinha uma mesa enorme de comida com variedades de peixes para consumirmos. A grávida em questão estava sendo cumprimentada por todos e eu fiz o mesmo, indo dar um beijo nela. Benício só ficou me olhando e depois foi até meus pais, conversar com eles.
Minhas irmãs estavam por ali também e eu me juntei a elas, encarando Maria Flor que me olhava de cima a baixo.
— O que foi garota? Nunca me viu não? —  Provoquei-a e ela desviou o olhar.
— Você nunca vai ser eu.
— E quem disse que eu quero ser você? — Me sentei ao seu lado só para provocá-la.
— Até o mesmo tipo de roupa que eu você está usando.
— Ele só colocou um vestido, para de arrumar briga. — Ana interveio.
— É, maninha, deixa de neurose. — Iracema disse, puxando a outra pelo braço. — Vem dançar, vem.
A chata da Maria Flor revirou os olhos e logo começou a dançar uma música que estava tocando. Benício se sentou ao meu lado e eu percebi que ele estava com um copo de bebida na mão.
— Por que ela te odeia? — Ele indagou dando um gole no líquido. — Não lembro de ser assim quando éramos pequenos.
— Ela não me odeia de verdade. É só provocação. — Falei enquanto observava a garota. — Ou pelo menos eu acho.
— Hm. — Benício silabou, como se analisasse a situação.
— O que você tá bebendo aí? — Perguntei, puxando o copo dele.
— É cachaça e você não pode beber.
— Por que não? — Ergui a sobrancelha.
— Você ainda é um garotinho.
— Só se for nos seus sonhos. — Dei um gole na bebida, sentindo-a descer rasgando por minha garganta. Eu não tinha o costume de beber, mas de vez em quando era bom.
— Sim, nos meus sonhos você é bem pequeninho e a gente brinca muito. — O mais velho soltou uma risada.
— A festa mal começou e você já tá bêbado? — Brinquei com ele, me levantando para ir pegar um pouco de bebida pra mim.
— Eu não tô bêbado. — Ele fez um biquinho e uma súbita vontade de beijar o alfa apareceu. Rapidamente eu afastei o pensamento, apesar de estar mais suscetível a ele hoje do que em qualquer outro dia.
— Não? Então faz o quatro aí. — Sacaneei ele e quando vi que o homem tinha se levantado eu ri. — Era brincadeira, pode ficar sentado. Vou pegar coisa pra mim beber e já volto.
Ele assentiu e eu me distanciei, indo até a mesa e pegando um copo. Coloquei um pouco de bebida alcoólica e peguei um pedaço de peixe para não passar mal enquanto bebia. No caminho, eu passei por mamãe, que me chamou.
— Você está lindo, filho. — Sorri diante de seu elogio.
— Obrigado.
— Você tá bebendo? — Ela perguntou olhando meu copo.
— Tô. Eu posso? — Perguntei, mesmo que já estivesse o segurando.
— Pode sim, mas toma cuidado tá? — Ela colocou a mão no meu peito. — Juízo você e Benício.
Senti minhas bochechas esquentarem com o duplo sentido da frase, mesmo que ela não tivesse um duplo sentido de verdade e fosse só coisa da minha cabeça.
— M-mãe! Ele é casado. Para de ficar falando essas coisas.
— Sinceramente, eu não fui muito com a cara da esposa dele. Mas você tá certo. Ele é um homem casado e tem que ser fiel, mesmo que ela não seja tão legal assim. — Ela olhou para ele por cima do ombro e eu assenti, concordando.
— Sim, claro. — Dei um sorriso falso e voltei para onde estávamos anteriormente, a tempo de vê-lo tirando o chapéu para umas duas crianças para não comprovar que era o boto cor de rosa em forma de gente. Gargalhei diante da cena.
— Tô cansado de ter que ficar comprovando que eu não sou um comedor de casadas. — Sua voz estava um pouco embargada. Parecia que tinham enchido o copo dele enquanto eu saí.
— Bom, mas você é. — Beberiquei minha bebida, dando um sorriso.
— Sou? E me fala que casada que eu tô comendo?
— Ué, sua esposa. Ela é casada com você e você tá comendo ela.
— Ah, claro. Minha esposa. — Ele deu uma gargalhada. — Tinha me esquecido dela.
— Você não está nem 24 horas longe dela e já esqueceu que ela existe?
— A Stephanie não é uma pessoa muito memorável. — Ele já falava embolando as frases e eu arregalei os olhos, um pouco chocado com a afirmação.
— Credo. Se fala dela desse jeito, não quero nem saber o que fala de mim quando está longe.
— Eu só falo bem de você. — Ele da uma sorrisinho cafajeste e eu sinto seu cheiro ser solto com uma suavidade. Ele se aproxima e eu sinto meu coração bater rápido.
— Ah claro. Tenho certeza que fala isso pra Stephanie também. — Dou um sorrisinho sarcástico e dou mais um gole na bebida.
— Não. Pra ela eu só falo a verdade.
— Se trata a mulher tão mal assim por que casou com ela?
— Ah, qual é. Eu gosto dela.
— Gosta? — Ergo a sobrancelha. — Achei que você fosse do tipo que casasse por amor.
— Quer que eu fale que eu amo ela? Tá bom, então eu falo.
— Eu não quero que fale nada. Só quero que seja sincero. Tanto comigo, com ela ou consigo mesmo. — Minha voz abaixa algumas oitavas e eu deixo pensamentos que não deviam tomarem conta da minha mente.
— Se eu for sincero, meu casamento acaba. — Ele da uma risada amarga.
— Seja sincero pelo menos uma vez na vida. — Olho bem no fundo dos seus olhos e eu percebo que suas orbes se desviam para a minha boca.
Bebo todo o conteúdo que ainda estava no meu copo de uma vez só numa tentativa de conter o nervosismo.
— Eu quero te beijar agora e estou sendo muito sincero quanto a isso.

É do botoOnde histórias criam vida. Descubra agora