Estranho

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Benício

Depois da cachoeira, o clima voltou a ficar estranho entre mim e Chico. Não necessariamente entre mim e ele, mas tinha alguma coisa acontecendo que eu ainda não sabia dizer o que era.

Na hora do jantar, estávamos todos juntos na mesa e era como se Maria Flor estivesse ameaçando dizer algo, entretanto, ela nunca punha para fora o que tinha que falar. Seu Francisco e dona Raimunda não pareceram perceber, mas o ômega do meu lado estava visivelmente apreensivo e era como se pedisse silenciosamente para que a garota não fizesse o que sei lá que ela fosse fazer. A morena fingia que nem estava vendo e ainda debochava de seu irmão. Eu não gostei muito daquilo, mas como eu não sabia o que estava acontecendo, eu preferi não meter.

Depois que comemos, eu fiquei com a tarefa de lavar a louça e Chico ficou comigo. Os outros estavam meio cansados por terem passado o dia fora e foram logo dormir. Aproveitei a oportunidade para tentar descobrir o que estava acontecendo.

— Chico? — O chamei meio hesitante. Mas ele não parecia estar ali, seus olhos estavam bem distantes.

— Ah, oi. — Ele demorou um pouco para responder e forçou um sorriso.

Seu cheiro também estava diferente. Além dos sentimentos ruins que ele transpassava, ele parecia misturado com mais alguma coisa. Mais algum cheiro. Eu gostaria de descobrir, mas preferi ficar quieto sobre isso por enquanto.

— Tá tudo bem? — Perguntei e ele logo terminou o que estava fazendo.

— Tá sim, por que? — Fez um biquinho e eu quase esqueci o que estava perguntando apenas para me focar nele.

— Você parecia meio estranho na hora do jantar. — Terminei de lavar meu último copo e sequei a mão molhada no pano que anteriormente estava com o ômega.

Senti seu aroma se tornar meio incomodado e franzi o cenho, cruzando os braços.

— Eu? Estranho. Claro que não. Foi só impressão sua. — Ele tentou mentir e eu quase usei a voz de comando, mas não quis ser autoritário ou invasivo. Se ele não queria contar tudo bem, eu não podia força-lo.

— Sabe que eu sou um alfa, né? Consigo sentir as mudanças em seu cheiro.

— Eu sei, mas não quero falar sobre isso. Não por enquanto. Não até achar uma solução. — Ele concluiu e logo saiu da cozinha, me deixando lá sozinho.

Nem disse para onde iria ou o que faria e eu apenas dei de ombros. Terminei de ajeitar as coisas e Ana logo apareceu. Era a oportunidade perfeita para tentar desvendar o que estava acontecendo. A mulher sempre sabia o que rolava e eu esperava que dessa vez soubesse também.

— Oi, Ana. — Sorri meio nervoso, me aproximando dela.

— Não, eu não sei o que tá rolando. — Ela respondeu mesmo antes de eu perguntar e eu me surpreendi um pouco.

— Como sabia que eu ia te perguntar isso?

— Assim como você, eu também vi aquela cena no jantar e eu não consigo explicar ela. — Ela pegou uma garrafa d'água, enchendo um copo, e logo em seguida a devolvendo a geladeira. — Eu adoraria saber o que está acontecendo tanto quanto você.

— Ah, mas você pode descobrir. É mais fácil Benício te contar do que para mim.

— É, sim. Mas se ele me pedir pra não abrir a boca pra você, eu não vou fazer. Eu respeito as vontades do meu irmão. — Ela disse simples e eu não pude contestar. Aquilo era verdade.

— Ah, tudo bem então. — Forcei um sorriso. — Eu só espero que ele fique bem logo.

— Eu também espero. — A mulher ficou um pouco em silêncio após proferir a frase e fez menção de sair, mas antes de executar a ação, voltou a se virar para mim. — Tanto quanto eu espero que faça bem pro meu irmão.

— O que? Como sabe? — Não havia necessidade de complemento, ela já sabia do que eu estava falando.

— E tem como não saber? Vocês vivem grudados por aí.

— Tá, mas isso não significa nada. — Eu estava um pouco nervoso. Não esperava que fosse descoberto tão rápido. E se ela contasse pra Stephanie ou sei lá?

Ana franziu o cenho e se aproximou de mim, colocando uma mão em meu ombro.

— Relaxa, eu não vou contar pra sua esposa. — Ela deu uma risadinha como se tivesse lido meus pensamentos. — E o que quer que esteja acontecendo entre vocês, eu espero que não machuque meu irmão depois.

Ela estava séria e eu me senti mal. Eu acho que ela já sabia que eu o machucaria de qualquer forma quando fosse embora, voltasse para minha vida e fingisse que nada aconteceu, para no verão que vem tudo acontecer de novo. Respirei fundo e assenti, não muito certo de estar consentido com aquilo.

— Boa noite! Se forem fazer alguma coisa, use camisinha. — A garota riu enquanto saia do cômodo.

— Olha, bem que eu queria viu, mas acho difícil. Chico não parece muito no clima. — Pensei alto e revirei os olhos. Olha só meu alfa interno pensando com a cabeça debaixo novamente.

Fui para o banheiro, fiz o que tinha que fazer e em seguida troquei de roupa. A luz do quarto de Chico ainda estava acesa, e eu decidi entrar para passar um tempinho com ele.

O garoto estava com a cara feia, mas logo melhorou assim que me viu. Eu teria ficado lisonjeado por tê-lo feito mudar o humor se eu não tivesse descoberto pelo seu cheiro que aquilo era só fachada. Fui até a cama e percebi que a porta estava entreaberta mas não me importei muito já que achei que todos estivessem dormindo.

Ledo engano. Depois de alguns minutos lá dentro, nós dois ficamos apenas conversando e ele estava fugindo de tudo que fosse relacionado a tarde. Eu respeitei, já que não podia e nem queria força-lo. Deixei que levasse a conversa para o assunto que quisesse e quando eu pensei em fazer alguma coisa mais divertida, eu vi que dona Raimunda olhava pela fresta que deixei na porta. Não falei nada para alertar o menor porque ele já parecia um pouco apreensivo e a senhora pareceu se assustar um quando viu que eu já tinha a visto, então saiu o mais rápido que podia. Soltei uma risada amarga pelo ocorrido e acabei alertando Chico.

— O que foi? Aconteceu alguma coisa? — Ele fez um biquinho e lhe deu um selinho.

— Não, nada. — Tentei mascarar meu cheiro para que ele não desconfiasse.

— Hm, então tá. — Ele deu de ombros e eu fiquei aliviado por ele não ter contestado.

Ficamos um tempo calados mas não demorou muito para nossos lábios voltarem a encostar. Eu nunca ia me cansar daquela boca macia e rosadinha. Ficamos trocando selinhos molhados durante algum tempo até que o ômega pediu passagem com sua língua e eu cedi. Levei minhas mãos para sua nuca, apertando-as levemente, mas mantendo o controle para não ultrapassarmos nenhuma linha. A noite não parecia muito favorável para que fizéssemos e eu respeitei a atmosfera. Tanto que quando as coisas começaram a esquentar eu me separei, e Chico não pareceu se importar muito quando eu nos interrompido.

— Preciso ir dormir agora. — Falei enquanto me levantava da cama.

— Eu também. Provavelmente amanhã vai ser minha vez de ajudar o papai já que Ana foi hoje no meu lugar e ele aparentemente está fazendo rodízio entre os filhos. — Ouvi sua voz falar e em seguida dar uma risadinha.

— E ele parece escolher aleatoriamente. Seu Francisco deveria montar uma escala. — Brinquei com a situação, me aproximando da porta. Consegui arrancar um riso do pequeno, e aquilo fez eu sentir uma sensação reconfortante em meu peito.

— Eu concordo. — Sorri.

— Bem, boa noite. — Chico acenou e eu acenei de volta.

— Boa noite. — Mandei um beijo no ar para ele e o garoto sorriu novamente.

Sai do quarto e percebi que a luz do banheiro também estava acesa, mas a porta estava fechada e dessa vez eu tinha certeza que não era Chico. Tratei de ir deitar na minha cama para não alertar mais ninguém naquela casa e deixar a atmosfera ainda mais estranha.





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