Capítulo 2

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10 anos depois...

O que uma década pode causar na vida de alguém? Na existência de qualquer um, muitas transformações. Na de Sarah, o nascimento de outro ser. Naquele momento, ela encarava o espelho de seu banheiro e finalizava a maquiagem enquanto coloca em ordem o planejamento para o dia.

Pó, rímel, delineador e um batom vibrante faziam parte de quem era atualmente: Sarah Melnik Monteiro. Ninguém esperava ver uma mulher requintada com falhas na pele ou marcas de expressão à mostra. Tinha de estar perfeita. E ela costumava aparentar exatamente o que os outros queriam ver. O restante escondia.

- Você deveria retirar o Melnik do seu nome e manter, no máximo, o Silva. É um sobrenome mais comum e dificilmente alguém aqui em Lisboa a vinculará com o seu passado. – Fernando lhe disse, poucos dias após instalá-la em sua casa, em Portugal, mais de uma década atrás.

- Mas eu prefiro manter o Melnik. – Era seu sobrenome materno e, de alguma forma, queria manter este laço. – O Silva, eu dispenso.

- A escolha é sua, Sarah. – O protetor respondeu com uma frase que repetiria muito nos anos seguintes. Ele sempre deixava a escolha final por conta dela.

Como uma espécie de tutor, Fernando dedicou-se ao longo dos anos a ajudá-la a fazer as próprias escolhas. Mas nunca lhe impôs atitudes. Dizia que seu papel era ensiná-la a tomar as melhores decisões, mas sempre seguindo a própria intuição. Prepará-la para quando já não estivesse ali para guiá-la era o maior objetivo dele.

- Porque está me dando seu sobrenome? Não precisa fazer isso. – Passaram semanas naquela discussão.

Fernando Monteiro havia cumprido tudo o que lhe prometeu e já naquele momento, em que ela ainda se adaptava a uma vida tão diferente da qual estava habituada, fazia muito mais do que o esperado. De forma discreta, mas não escondida, ele fez dela uma Monteiro e a colocou sob sua proteção, num recado claro à sociedade de que aquela jovem deveria ser tratada com o mesmo zelo comumente oferecido às que já nascem em berço de ouro.

- O sobrenome é o de menos, minha querida. – Ele reafirmou. – O que virá junto dele é o que importa.

Naquela manhã ensolarada de Lisboa, ela não entendeu a frase dita por ele. Só o tempo a faria compreender o quanto tudo tinha mudado. Estavam sentados à mesa de café da manhã montada por uma pessoa da qual ela afeiçoou-se quase instantaneamente. Antônia, funcionária antiga da casa, lhe oferecia delícias e sorrisos doces. Ambos com muita fartura.

- Coma mais um pastelzinho de nata, menina. Fiz para você. Eu percebi que gostou. – A senhora ofereceu após trazer mais café à mesa.

- Eu posso? – A pergunta foi feita com timidez e endereçada a Fernando. O doce oferecido por Antônia era realmente tentador.

- Você não precisa pedir para comer nada nesta casa, Sarah. A menos que não tenha à sua disposição. Nesse caso, solicite à Antônia e ela providenciará. – Ele esclareceu, com sorriso doce, mas olhar triste. – Eu sei que pode ser difícil, mas, o quanto antes você conseguir deixar para trás o seu passado, melhor será. A Sarah que existirá a partir de agora não precisa privar-se de coisa alguma nem sujeitar-se a nada que não deseje.

Diante daquela afirmação, ela se calou, decidida a confiar no benfeitor que a vida tinha lhe oferecido. E não tardou a compreender exatamente o que ele quis lhe dizer. Sim, Fernando Monteiro tinha lhe dado um sobrenome importante, adotando-a como filha, de forma que legalmente ela estava amparada. Mas ele foi muito além na profundidade da transformação que lhe causou. Lhe deu dinheiro, muito. Não apenas lhe oferecendo o que ele podia comprar, mas também lhe oferecendo-o em espécie e com isso lhe deu o bem mais valioso: liberdade. Desde o início, Fernando deixou claro que ela não deveria ser dependente de ninguém, nem mesmo dele.

Fugindo do destino: eles escolheram outras vidasOnde histórias criam vida. Descubra agora