10 anos depois...
O que uma década pode causar na vida de alguém? Na existência de qualquer um, muitas transformações. Na de Sarah, o nascimento de outro ser. Naquele momento, ela encarava o espelho de seu banheiro e finalizava a maquiagem enquanto coloca em ordem o planejamento para o dia.
Pó, rímel, delineador e um batom vibrante faziam parte de quem era atualmente: Sarah Melnik Monteiro. Ninguém esperava ver uma mulher requintada com falhas na pele ou marcas de expressão à mostra. Tinha de estar perfeita. E ela costumava aparentar exatamente o que os outros queriam ver. O restante escondia.
- Você deveria retirar o Melnik do seu nome e manter, no máximo, o Silva. É um sobrenome mais comum e dificilmente alguém aqui em Lisboa a vinculará com o seu passado. – Fernando lhe disse, poucos dias após instalá-la em sua casa, em Portugal, mais de uma década atrás.
- Mas eu prefiro manter o Melnik. – Era seu sobrenome materno e, de alguma forma, queria manter este laço. – O Silva, eu dispenso.
- A escolha é sua, Sarah. – O protetor respondeu com uma frase que repetiria muito nos anos seguintes. Ele sempre deixava a escolha final por conta dela.
Como uma espécie de tutor, Fernando dedicou-se ao longo dos anos a ajudá-la a fazer as próprias escolhas. Mas nunca lhe impôs atitudes. Dizia que seu papel era ensiná-la a tomar as melhores decisões, mas sempre seguindo a própria intuição. Prepará-la para quando já não estivesse ali para guiá-la era o maior objetivo dele.
- Porque está me dando seu sobrenome? Não precisa fazer isso. – Passaram semanas naquela discussão.
Fernando Monteiro havia cumprido tudo o que lhe prometeu e já naquele momento, em que ela ainda se adaptava a uma vida tão diferente da qual estava habituada, fazia muito mais do que o esperado. De forma discreta, mas não escondida, ele fez dela uma Monteiro e a colocou sob sua proteção, num recado claro à sociedade de que aquela jovem deveria ser tratada com o mesmo zelo comumente oferecido às que já nascem em berço de ouro.
- O sobrenome é o de menos, minha querida. – Ele reafirmou. – O que virá junto dele é o que importa.
Naquela manhã ensolarada de Lisboa, ela não entendeu a frase dita por ele. Só o tempo a faria compreender o quanto tudo tinha mudado. Estavam sentados à mesa de café da manhã montada por uma pessoa da qual ela afeiçoou-se quase instantaneamente. Antônia, funcionária antiga da casa, lhe oferecia delícias e sorrisos doces. Ambos com muita fartura.
- Coma mais um pastelzinho de nata, menina. Fiz para você. Eu percebi que gostou. – A senhora ofereceu após trazer mais café à mesa.
- Eu posso? – A pergunta foi feita com timidez e endereçada a Fernando. O doce oferecido por Antônia era realmente tentador.
- Você não precisa pedir para comer nada nesta casa, Sarah. A menos que não tenha à sua disposição. Nesse caso, solicite à Antônia e ela providenciará. – Ele esclareceu, com sorriso doce, mas olhar triste. – Eu sei que pode ser difícil, mas, o quanto antes você conseguir deixar para trás o seu passado, melhor será. A Sarah que existirá a partir de agora não precisa privar-se de coisa alguma nem sujeitar-se a nada que não deseje.
Diante daquela afirmação, ela se calou, decidida a confiar no benfeitor que a vida tinha lhe oferecido. E não tardou a compreender exatamente o que ele quis lhe dizer. Sim, Fernando Monteiro tinha lhe dado um sobrenome importante, adotando-a como filha, de forma que legalmente ela estava amparada. Mas ele foi muito além na profundidade da transformação que lhe causou. Lhe deu dinheiro, muito. Não apenas lhe oferecendo o que ele podia comprar, mas também lhe oferecendo-o em espécie e com isso lhe deu o bem mais valioso: liberdade. Desde o início, Fernando deixou claro que ela não deveria ser dependente de ninguém, nem mesmo dele.
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Fugindo do destino: eles escolheram outras vidas
RomanceAo completar 18 anos, Sarah Melnik da Silva foge do Brasil em busca de liberdade. Quando uma tragédia lhe oferece possibilidades nunca antes sonhadas, ela se transforma em uma nova mulher. Cerca de 10 anos depois, vivendo em Portugal, a antiga Sa...