Capítulo 20

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Sarah passou algum tempo sentada em sua cadeira na sala que um dia havia pertencido a Fernando e que hoje lhe oferecia uma aura de poder. Ali se sentia Sarah Monteiro, uma mulher dona das próprias decisões. Agora, porém, com a foto de Cristal ainda aberta na tela de seu computador, se sentia novamente Sarah Melnik da Silva, alguém cuja vida foi decidida por outros e de quem foi tirado tudo.

A secretária entrou na sala, lembrando-a que em 30 minutos teria uma reunião. Aquilo tirou-a da inércia, mas não conseguiu tirar sua mente da confusão que se encontrava. Não tinha condições de trabalhar.

- Eu preciso ir pra casa, cancele minha agenda. – Disse erguendo-se, fechando o notebook e colocando-o em sua mochila.

- Mas e... - A secretária nunca tinha visto Sarah agir dessa forma.

- Não me sinto bem. – Era a mais pura verdade, mesmo que nada tivesse de errado com ela fisicamente. – Avise Sofia, por favor, que não irei ao escritório hoje.

- E o Sr. Thomaz?

- Ele deve chegar logo, está numa agenda externa. – Ela teria que explicar a ele tudo aquilo. – Veja se ele pode assumir o que for mais urgente em minha agenda.

Sem esperar pela resposta da secretária, Sarah deixou a Monteiro. Passou pela portaria sem cumprimentar os funcionários, como raramente ocorria. Tinha a mente confusa e os passos apressados. Saiu com seu carro pelo trânsito e, enquanto o percurso já conhecido era deixado para trás, os pensamentos seguiam na irmã. E a culpa crescia dentro dela. Ela tentava entender os acontecimentos, imaginar como a história de vida dela e da irmã podia ter seguido aquele rumo.

Depois do desaparecimento dela, imaginou, Cristal havia sido tratada como uma "reposição", serviu para amenizar a perda de Otávio, que exigiu casar-se com Cristal

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Depois do desaparecimento dela, imaginou, Cristal havia sido tratada como uma "reposição", serviu para amenizar a perda de Otávio, que exigiu casar-se com Cristal. Que idade teria quando isso foi negociado? Dez, onze anos, talvez? Sarah tinha nas lembranças do próprio passado uma ideia do que a irmã poderia ter sofrido.

- Só aconteceu porque eu fugi. – Essa certeza tomava conta de seu coração e fazia as mãos tremerem no volante.

Tudo o que a irmã viveu nos últimos anos poderia ter sido evitado se ela não tivesse fugido. Se tivesse permanecido no Brasil, a irmã seria livre. E agora não seria a viúva de um monstro, cujo corpo seguia abandonado em Lisboa, sem que ninguém o reclamasse. Quando chegou em casa, tinha muitas dúvidas na mente, e apenas uma certeza: teria de encarar novamente todo aquele passado e ir atrás da irmã. Não podia mais se esconder daquela história, não quando já não era a única vítima. Talvez ainda houvesse algo que pudesse fazer por Cristal, se ela lhe permitisse se aproximar.

O nervosismo, porém, não lhe permitiu raciocinar com clareza nem organizar nada concreto. Entrou na casa com passos rápidos e ignorou o chamado de Antônia. No fundo, ela sabia o que faria. E dessa vez nem mesmo tentou evitar a ânsia que sentia, o desejo incontrolável de ferir a si mesma. Quando entrou no quarto, seu telefone tocava. Era Thomaz, ela viu. Certamente estranhando o comportamento dela e querendo saber o que a fez ir embora cedo da Monteiro. Ela não atendeu. Naquele instante, só conseguia pensar em suprir a necessidade castigar-se.

Fugindo do destino: eles escolheram outras vidasOnde histórias criam vida. Descubra agora