Ao completar 18 anos, Sarah Melnik da Silva foge do Brasil em busca de liberdade. Quando uma tragédia lhe oferece possibilidades nunca antes sonhadas, ela se transforma em uma nova mulher. Cerca de 10 anos depois, vivendo em Portugal, a antiga Sa...
Sarah passou algum tempo sentada em sua cadeira na sala que um dia havia pertencido a Fernando e que hoje lhe oferecia uma aura de poder. Ali se sentia Sarah Monteiro, uma mulher dona das próprias decisões. Agora, porém, com a foto de Cristal ainda aberta na tela de seu computador, se sentia novamente Sarah Melnik da Silva, alguém cuja vida foi decidida por outros e de quem foi tirado tudo.
A secretária entrou na sala, lembrando-a que em 30 minutos teria uma reunião. Aquilo tirou-a da inércia, mas não conseguiu tirar sua mente da confusão que se encontrava. Não tinha condições de trabalhar.
- Eu preciso ir pra casa, cancele minha agenda. – Disse erguendo-se, fechando o notebook e colocando-o em sua mochila.
- Mas e... - A secretária nunca tinha visto Sarah agir dessa forma.
- Não me sinto bem. – Era a mais pura verdade, mesmo que nada tivesse de errado com ela fisicamente. – Avise Sofia, por favor, que não irei ao escritório hoje.
- E o Sr. Thomaz?
- Ele deve chegar logo, está numa agenda externa. – Ela teria que explicar a ele tudo aquilo. – Veja se ele pode assumir o que for mais urgente em minha agenda.
Sem esperar pela resposta da secretária, Sarah deixou a Monteiro. Passou pela portaria sem cumprimentar os funcionários, como raramente ocorria. Tinha a mente confusa e os passos apressados. Saiu com seu carro pelo trânsito e, enquanto o percurso já conhecido era deixado para trás, os pensamentos seguiam na irmã. E a culpa crescia dentro dela. Ela tentava entender os acontecimentos, imaginar como a história de vida dela e da irmã podia ter seguido aquele rumo.
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Depois do desaparecimento dela, imaginou, Cristal havia sido tratada como uma "reposição", serviu para amenizar a perda de Otávio, que exigiu casar-se com Cristal. Que idade teria quando isso foi negociado? Dez, onze anos, talvez? Sarah tinha nas lembranças do próprio passado uma ideia do que a irmã poderia ter sofrido.
- Só aconteceu porque eu fugi. – Essa certeza tomava conta de seu coração e fazia as mãos tremerem no volante.
Tudo o que a irmã viveu nos últimos anos poderia ter sido evitado se ela não tivesse fugido. Se tivesse permanecido no Brasil, a irmã seria livre. E agora não seria a viúva de um monstro, cujo corpo seguia abandonado em Lisboa, sem que ninguém o reclamasse. Quando chegou em casa, tinha muitas dúvidas na mente, e apenas uma certeza: teria de encarar novamente todo aquele passado e ir atrás da irmã. Não podia mais se esconder daquela história, não quando já não era a única vítima. Talvez ainda houvesse algo que pudesse fazer por Cristal, se ela lhe permitisse se aproximar.
O nervosismo, porém, não lhe permitiu raciocinar com clareza nem organizar nada concreto. Entrou na casa com passos rápidos e ignorou o chamado de Antônia. No fundo, ela sabia o que faria. E dessa vez nem mesmo tentou evitar a ânsia que sentia, o desejo incontrolável de ferir a si mesma. Quando entrou no quarto, seu telefone tocava. Era Thomaz, ela viu. Certamente estranhando o comportamento dela e querendo saber o que a fez ir embora cedo da Monteiro. Ela não atendeu. Naquele instante, só conseguia pensar em suprir a necessidade castigar-se.