Tudo começou em 1474, ano em que nasci. Há 5 anos atrás o trono de Viena foi assumido por Frederico III, um rei que até os porcos, se fossem assumidos por ele, teriam desgosto. Além das crises que já atingia nossa cidade, que uma vez foi um grande ponto de rota e comércio na Europa, esse maldito rei decidiu fazer alianças com os que queriam nos destruir! Que sua alma seja poupada no inferno, onde ele deve ir!
Não me lembro o nome do bairro que vivi boa parte da vida; Sei que era uma casinha simples, junto com muitas outras, na periferia da cidade, junto ao rio Danúbio. Era um lugarzinho deplorável, cheio de ratos e pragas que caminhavam junto conosco todos os dias pelas ruas. Minha mãe, Ester, me teve quando tinha 17 anos. Meu pai, um bêbado sem rumo, que tinha o sonho de se tornar um grande comerciante, viajava pelas cidades vizinhas negociando e passando a perna em quem conseguia; Até hoje não sei o porque de minha mãe ter dormido com aquele estrume, mas isso não vem ao caso. Eles se casaram, e arrumaram um lugarzinho, esse mesmo lar a que me referi algumas linhas atrás. Quando completei 2 anos de idade, ele foi embora, literalmente da noite para o dia. Pela manhã, uma carta aparece, em cima da mesa de jantar. Nela dizia:
"Ester, não quero que me odeie por isso. Eu sei que você tem todos os motivos desse mundo para isso, mas se tiver pena de mim, até o fim desta carta, acho que entenderá meu lado. Você sabe como eu sou, um sonhador. Eu lembro de te dizer todos os dias que seríamos ricos e teríamos uma bela casa para morar em Veneza! Mas, infelizmente, essa crise nos apertou ainda mais. Depois que te conheci, eu quis largar tudo: Bebedeiras, festas, andanças até a madrugada; Eu queria ter uma família, e até hoje quero tê-la, junto com você e nosso filho, Lorenzzi. Lembro que te fazia promessas e mais promessas, de que tudo ia dar certo, mas nunca nada dava certo. Isso me doía todas as noites, antes de dormir. As vezes, pela madrugada, sem você perceber, eu ia pra rua, olhava meu reflexo naquele rio, e me imaginava com um daqueles chapéus de nobres, que tem a pena de uma ave rara como enfeite; Uma roupa vermelha feita pelos melhores alfaiates da Itália, uma bota preta de cano longo, e um cinto bordado de prata com as minhas iniciais. Imaginava até um sorriso no meu rosto. Mas, quando eu me lembrava que de quem eu realmente era, tudo se tornava cinza; Minhas roupas se rasgavam, meu chapéu caía e se desmanchava no chão, minha bota arrebentava; Ai eu via o verdadeiro reflexo: um homem de 25 anos, com uma face de 40, barba mal feita, uma roupa branca manchada de vinho, cabelo bagunçado, uma calça curtida de couro de vaca feita pela minha mãe, quando ela ainda tinha esperanças em mim. E, de repente, quando tudo que me restava era um sorriso, ele se transformava em um rosto triste, fraco, como quem queria se afogar naquelas águas mesmo. Então eu voltava para a cama e, sem perceber, eu chorava. Muito. Eu não queria que você me visse nem mais 1 minuto daquele jeito; Quem me dera que todos nesta Terra abençoada por Deus fossem ao menos 1 gota do perfume que você é! Você colocou tanta esperança em mim, e eu apenas digeri goela abaixo. Enquanto você lê essa carta, eu já devo estar bem longe, cruzando a fronteira da Itália, em busca desse nosso sonho louco. Não irei voltar até conseguir dinheiro suficiente para vivermos 10 vidas! Tenho alguns amigos que fiz em Roma durante minhas viagens que vão me ajudar. Já havia trocado algumas cartas com eles meses atrás. Quanto a você, não se preocupe muito comigo, creio que estou seguro por aqui. Em baixo da mesa há uma tábua solta; dentro dela, há uma bolsa com algumas moedas de prata e ouro que deixei para se um dia precisássemos. Não precisarei delas por enquanto. Quanto a vocês dois, já planejei de mandar todo mês um dinheiro que conseguirei pelo meu trabalho. Terei apenas o necessário para não morrer de fome. E, junto com algumas moedas, uma carta, que vou contar tudo o que acontecer por lá para vocês. Espero que entenda que fiz tudo isso por vocês dois. Vocês são a melhor coisa que já aconteceu na minha vida! Nem todo o ouro desse mundo se compara em riqueza a tamanha bondade que você tem comigo, meu anjo! E, meu filho, nem toda pedra preciosa dessa Terra formaria um brilho mais bonito e sincero quando você sorri! Espero ver
todos vocês em breve."Marius.
Após ler a carta, ela foi para o meu quarto, e, ajoelhada em frente ao meu berço, chorou muito. Havia uma mistura de sentimentos naquele momento: por um lado, a aflição de nunca mais rever seu marido, por outro um misto de felicidade e de esperança. Finalmente teríamos uma vida digna e feliz. Depois de meia hora de choro, ela se levantou, me pegou no colo e, mesmo sem eu entender, ela me disse:
"Filho, seu pai é o homem mais corajoso que eu já conheci. Sei que você não vai entender tudo o que ele fez até agora, mas saiba que mesmo sendo o homem que ele era, é acima de tudo, um sonhador. Não se esqueça de que seu pai está fazendo tudo isso por você, querido. Você pode não entender, mas ele te ama muito."
Ela me abraçou, deitou sua cabeça no meu peito, e chorou mais uma vez; Não por tristeza, mas sim, por felicidade.
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O Manuscrito Venicci
Science FictionEu, Lorenzzi di Viena, escrevo essa carta, certamente sem destino, para relatar e documentar tudo o que sei é descobri até agora. Algumas dessas coisas que serão contadas nesse livro não podem em hipótese alguma parar nas mãos da Igreja. A você, dou...