Depois daquela carta, nossa vida nunca foi a mesma. Sem o dinheiro que recebíamos desse nosso amado sonhador (quando ele ainda trazia algumas moedas para casa depois de beber a noite) minha mãe teria que arrumar um emprego em que eu, com dois anos de idade, pudesse ir junto. Por Deus ela encontrou nessa cidade um homem com decência e humildade! Eu pensava que pessoas como essa tinham sido eliminadas junto com essa peste! Enfim, o homem era um senhor de 65 anos de idade, vivia numa bela casa, que nem era grande mas muito luxuosa, em um bairro nobre da cidade do qual não lembro o nome (porque eu decoraria nomes de bairros?). Por dentro era toda de madeira, talvez fosse de carvalho; A porta de entrada dava-se a um corredor de uns 10 metros, cheios de coisas penduradas nas paredes, de ambos os lados - como livros, estátuas de animais, jarros - depois do corredor, havia uma sala: Um tapete muito lindo - devia ser indiano - ocupava todo o chão da sala, duas cadeiras de balanço, uma do lado da outra, viradas para a lareira. Ao lado da sala, duas escadas em espiras que davam ao segundo andar. Nesse andar, havia apenas um quarto, onde esse senhor dormia. Lá dentro tinha uma cama de casal, uma estante e um guarda-roupa. Bem, depois de detalhada toda a casa vamos para a parte que realmente importa. Minha mãe me deu um banho, colocou um roupa bordada feito por ela mesma, e juntos saímos pela cidade em busca de emprego. Não conhecíamos ninguém de confiança para me vigiar enquanto ela ia. Os pais da mamãe estavam longe, e tínhamos perdido o contato, nem sabíamos onde moravam mais. O primeiro lugar onde mamãe foi procurar um emprego (na verdade não um emprego, mas uma indicação) foi no bar onde nosso sonhador sempre ia. De tanto encher a cara de vinho naquele lugar, acabou fazendo amizade com o dono. O nome dele era Victor. Pelo que me lembro, quando mais velho, era que esse homem parecia ter uma alma decente, apesar do chiqueiro em que vivia. Foi um sufoco para a mãe entrar naquele lugar sem ser notada. Enquanto os homens tentavam se aproximar dela, Victor chegou para nos ajudar:
"Se afastem dela! Por acaso não sabem que é a mulher de Marius, e que em seu colo carrega um filho da união deles? Basta por hoje, homens!"
Aquela foi uma atitude muito nobre da parte dele. Ainda sou agradecido por isso. Enfim, sem perder o foco, claro. Mamãe foi logo conversar com ele, e acabou contando tudo o que tinha acontecido. Após um bom tempo conversando, ela pergunta se ele conhece alguém "com um coração bom, disposto a dar um emprego para uma mãe de família". Ele disse conhecer um senhor, com quem já trabalhou antes numa loja de artesanato (claro que o senhor era o dono dessa produção) e que com certeza daria uma chance pra uma pessoa como ela. Em seguida, mamãe pegou o endereço, o agradeceu com um beijo no rosto, e foi-se. Chegando na casa desse senhor, bateu na porta. Passado-se um tempo e nada. Ela ia bater de novo, mas ele chegou e a abriu. Vimos nele uma aparência fraca, de um homem que já teve tudo na vida e hoje só quer se sentar naquela cadeira de balanço e ficar olhando para a lareira. Perguntou o que queríamos e dissemos que queríamos um emprego. Contamos toda a história sobre o que tinha acontecido, até chegarmos na parte em que o Victor aparece.
"Ah então você conhece o Victor? Claro! Lembro-me muito bem dele! Era um homem bem forte, nunca foi de faltar o respeito comigo! Sujeitinho humilde ele... Como todos naquela venda ele só queria uma casinha no campo, uma mulher e dois filhos homens! Parecia até que eles compartilhavam os mesmos sonhos!"
Em seguida ele começou a tossir. Sem parar. Mamãe ficou preocupada, mas ele disse que aquilo era normal na idade dele. Ele nos chamou para entrar. Começou a nos contar umas historias loucas em que viveu o longo da vida. Tinha uma que eu gostava muito quando criança e amava quando ele me contava.
"Eu estava num barco, junto com meus amigos, levando alguns engradados cheios de bebida para o navio do dono. Eu nem sabia quem ele era! E, quando já estávamos quase mortos de tanto levar coisa de lá pra cá, eis que surge no porto um homem todo sujo, com uma aparência de mendigo, bêbado que fedia de longe! Ele apontava para nós e gritava:
"Laa .. drões! Deevolvam meu-meeu barco se não meus homensss vão dar um jei..to em voo..cês!"
Mal sabia o dono que alguns amigos meus tinham bebido com ele e que eles falaram que havia muitos homens cruéis que estavam tentando assumir o controle do barco! O moço saiu correndo do bar em que estava, tão desesperado que esqueceu suas calças lá mesmo! Agora, imagine a cena: Um homem bêbado, sujo e com as coisas pra fora expulsando sua própria tripulação!"
Sempre rio muito com essa história, de verdade. Pode parecer infantilidade minha, mas é mesmo! Devo muito a vida por esse homem, o que ele me ensinou ao longo da vida ajudou a definir o homem que sou, e talvez, se não fosse por causa dele, não estaria escrevendo essa carta para vocês. Com certeza não estaria, ele que me ensinou a escrever!
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O Manuscrito Venicci
Science FictionEu, Lorenzzi di Viena, escrevo essa carta, certamente sem destino, para relatar e documentar tudo o que sei é descobri até agora. Algumas dessas coisas que serão contadas nesse livro não podem em hipótese alguma parar nas mãos da Igreja. A você, dou...