Imagine como fiquei depois de ler aquela carta! Assustado, no mínimo. Saber que minha mãe estava envolvida naquilo tudo, e que meu pai não era aquele bêbado fedido que só se importava com ele! Me sinto mais culpado agora, escrevendo esta carta do que antes. E agora? Voltaria à casa para ver minha mãe e meu padrasto mortos, ou quem sabe levados para longe? Ou ficaria naquele abrigo, esperando por um milagre? Se bem que Deus nem deveria estar feliz comigo. Rejeitei meu pai por toda uma vida, e até o momento de ler a carta eu desejava nunca ter visto ele. Se, ao menos eu tivesse dado uma chance ao que mamãe dizia sobre ele. Ah, eu devo ser o homem mais iludido dessa Terra! Nada do que faço é sincero, todo esse amor era tudo mentira! Por Deus, quando isso vai acabar?! Já estou nesse barco faz uma semana e até agora nada! O Senhor é o único que me importa até agora. Se não fosse por Ti, nunca estaria aqui, tentando mostrar para esse mundo a verdade que aconteceu pouco tempo atrás, a mesma que esses pagãos religiosos que dizem ser "santos" e fazem estátuas de si mesmos tentam esconder. Muitos não compreendem o que foi aquilo, realmente. Eu mesmo não sei se foram demônios, ou seres de outro planeta. Só sei que a resposta está com o Senhor, mas quando saberemos é um mistério. Enquanto o segredo permanece, continuarei minha história. Diante a dúvida de voltar para casa, sentei me na cama, levei a mão a cabeça, e comecei a pensei em milhares de coisas que poderiam ter acontecido. Ao mesmo tempo em que queria dormir naquela cama e fingir que tudo aquilo era um sonho eu também pensava em cada segundo perdido por não ter voltado. Eu batia os pés no chão em ritmo acelerado. Arrancava as unhas da mão com meus dentes e minhas pernas estavam paralisadas. Até que, num pulo, levantei da cama e voltei correndo para casa. Deixei a porta aberta, mas a carta vinha comigo sobre meu braço. Chegando em casa, percebi ao longe que a porta havia sido arrombada. Entrei, e vi minha mãe jogada na sala, com o corpo cheio de sangue. Ao seu redor, uma poça, que ainda estava aumentando de tamanho. Me aproximei dela, tentei acordá-la, estocar o sangue, mas já era tarde. Sentia o frio entre seus dedos. Me ajoelhei em frente ela, coloquei a cabeça sobre seu peito e comecei a chorar. A dor era muito grande para mim! Imagine nascer sem a presença do pai, e ter sua mãe morta por pessoas que você considera justas! Ainda ali, ouvi uma tosse vindo do quarto de cima. Era o meu senhor. Ele estava deitado sobre a cama, também sangrando, mas diferente de mamãe, estava ainda com vida. Coloquei a mão na ferida, tentando fazer o sangue parar. Ele, com um sorriso no rosto, me disse: "Filho, não faça isso! Não vê que seu velho já está indo? Hahaha! Não se importe com um amontoado de carne sem vida que sou!" Ele tossiu umas três vezes, e continuou: "Tome, leia essa carta quando já estiver bem longe daqui. Mas se apresse! Esses homens carequinhas de túnica estão vindo com armamento pesado!" Ele colocou a carta no bolso da minha roupa. Eu disse que não deixaria ele ali, que o levaria para ser cuidado. Em suas últimas palavras, disse: "Adeus, vejo você em uma outra vida!" Em seguida, seus olhos se fecharam, seu coração parou de bater e seu corpo ficava frio. Ele morreu com um sorriso no rosto. Ainda não sei o nome dele, mas sei que aquele homem foi o mais importante em minha vida aqui na Terra. Após sua morte, ouvi o barulho de tiros vindos de fora da casa. Sete balas de canhão leve haviam perfurado a porta e as paredes de entrada da casa. O ritmo era constante. Pelo som, percebi que só havia uma dessa nova arma. Ela conseguia disparar vários tiros em poucos segundos! Certamente alguém, com uma mente fora do normal inventaria uma arma tão poderosa quanto aquela. Dali do quarto não podia se ver nada, apenas alguns gritos e, em seguida, mais tiros. A casa toda balançava, e os alicerces já estavam se rompendo. Se tentasse sair pela porta, seria bombardeado. Poderia tentar uma saída por trás da sala que já havia sido destruída, mas a chance de uma das balas me pegarem era alta. Então, olhei pela janela do quarto, e vi um amontoado de feno em baixo. Aquilo com certeza foi colocado lá estrategicamente. Será mesmo que o senhor havia pensado em tudo isso? Por que não lembro de nenhum feno por ali. A casa estava desabando, o teto caía sobre o chão, e minha única alternativa estava em fazer aquela loucura. Sem pensar mais, abri a janela, tomei distância e pulei. No momento do salto, pude ver a casa indo ao chão. A partir dali eu sabia que nada seria como antes. Me virei, e cai perfeitamente naquele monte de feno. Permaneci escondido, lá dentro, por algum tempo. Se tentasse sair, perceberiam. Consegui ver, não tão nitidamente, o rosto deles. Eram dois homens, ambos com túnicas marrons e uma cruz de prata como colar. O cabelo deles eram cortados em cima, de modo que um "anel" de cabelo se formasse. Pude perceber que não eram homens separados encarregados daquele serviço, eram os próprios da Igreja! Esperei um tempo até eles irem embora. Ficaram por lá um bom tempo, vendo se ainda havia um sinal de vida por ali. Quando se foram, pude sair do feno. E agora? O que me resta? Sem rumo, direção, uma família, amigos, nada. Um sentimento de vingança me atormentava naquele momento. Era difícil dizer qual minha expressão naquele momento. Diante a tanta coisa em tão pouco tempo, não conseguia raciocinar direito. Bem, eu precisaria primeiro de um lugar para ficar, até que me minha cabeça se esfriasse e dali pudesse traçar um objetivo. Com algumas moedas no bolso, parti e fui até o centro da cidade, em busca de uma hospedagem barata que pudesse passar uma noite. Era de tardinha quando cheguei. Dei umas moedas ao dono, e passei ali uma noite. Deitado na cama e querendo muito dormir, não conseguia, pois pensava em o que eu faria depois de tudo. Um lugar em que a Igreja não exercesse tanta influência, mas não tão longe deles. Portugal não era uma terra segura. Com certeza eu estava sendo caçado como um "fugitivo da lei" ou coisa do tipo. Qualquer ambiente católico era uma ameaça. Após pensar em alguns lugares, finalmente cheguei a um: Grécia, que agora estava sob o domínio do Império Otomano. Uma nação tipicamente eclética, que aceitava de bom grado todos os ensinamentos e deuses. Certamente não me considerariam um herege. Talvez eu conseguisse realizar o sonho de ser comerciante e, um dia, uma vingança contra aqueles que mataram a minha mãe. Amanheceu, e eu já havia despertado. Com uma pequena bolsa de dinheiro e duas cartas no meu bolso, fui dali para o porto de Veneza. Era um caminho árduo, duro e distante, mas era o melhor porto que conhecia na época. Com a ajuda de um cavalo que comprei num estábulo, parti. Era necessário parar algumas vezes para nos alimentar, descansar e no dia seguinte, andar mais. Não levou duas semanas e já estava na cidade. Soltei o cavalo e o deixei livre, ele disparou para uma floresta que havia por ali perto. Chegando ao porto, dei minhas moedas ao marinheiro, esperei até que navio se enchesse, e fui, rumo em direção ao Império, até chegar em Atenas. No barco, lembrei me da carta que o senhor havia comentado. Sentado na cama do meu quarto, a abri. A partir dali, era uma nova vida.
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O Manuscrito Venicci
Science-FictionEu, Lorenzzi di Viena, escrevo essa carta, certamente sem destino, para relatar e documentar tudo o que sei é descobri até agora. Algumas dessas coisas que serão contadas nesse livro não podem em hipótese alguma parar nas mãos da Igreja. A você, dou...