Não demorou muito para sairmos daquela nossa casa. Graças a Deus, e ao bom senhor, que nos arrumou um lugarzinho para morarmos. Em menos de um mês de trabalho, esse homem se ofereceu a ajudar, vendo a situação deprimente em que estávamos. Mandou alguns homens que trabalhavam com ele no artesanato (com quem ainda tinham contato) construírem um quarto a mais para nós. Mamãe ficou muito agradecida quando soube disso. A relação de apenas uma dona de casa e de um senhor velho tinham sido deixados para trás: Agora éramos todos uma família. Com o passar dos anos, pouca coisa aconteceu. Brincava com alguns amigos na rua pela manhã, mamãe ajudava a organizar a casa enquanto o senhor ficava sentado, de frente para a lareira. Todo dia era assim, mas era uma vida que eu amava. Finalmente paz e sossego. Quando fiz meus 10 anos, o bom senhor arrumou uma escola para mim. Na verdade nunca aprendi muita coisa por lá, a maioria delas eu já sabia. Não que eu seja um gênio ou coisa do tipo: Acontece que eu sempre lia os livros empoeirados daquela estante. Eles me ensinaram sobre muitas coisas, desde o movimento dos planetas até mesmo a simples matemática das coisas. Aprendi muito sobre o cristianismo, tanto na escola, que era liderada pela igreja, tanto em casa, pelo o senhor e minha mãe. Um dia em particular, na escola, conversando com alguns amigos, descobri que um deles, Augusto, não acreditava na existência de Deus. Assustado, tentei entender o lado dele. Ele me disse que se Deus existe, pôr que há tanto mal, já que ele é Todo-Poderoso?. Isso me deixou bem abalado na época. Comecei a pensar bem nas coisas que acreditava a respeito de Deus. Com 17 anos, me tornei ateu. Não via mais Deus em nada, e tinha decidido simplesmente não crer em nenhuma dessas coisas que me diziam. Tentei esconder isso de todos lá de casa, mas não deu muito certo. O senhor reparou que eu andava meio estranho ultimamente; Me chamou para sala, sentei ao seu lado na cadeira, de frente a lareira. Mamãe tinha saído para comprar comida para casa. Aquela conversa ficaria só entre nós. Então ele me perguntou:
"Como anda as coisas com você, rapaz? Notei que você anda meio confuso ultimamente.."
"É que .. Deve ser a idade sabe .. Muita coisa a decidir .."
"Filho, seja o que estiver acontecendo, não esconda de mim."
Eu olhei para o chão, pensei em mil coisas que poderiam acontecer depois. E então, eu disse:
"Eu não acredito mais em Deus."
Ele me olhou assustado. Sem dizer nada, apenas olhou para a lareira, com um olhar de decepção profunda. Notei que ele tentou disfarçar que estava muito triste comigo. Ele se virou para mim e disse, com muita calma:
"E por que você não acredita nele?"
"Por muitos motivos. Um deles é essa maldade que há no mundo. Ora, se ele é tão bom assim e nos ama, por que de tanta fome, pragas, doenças? Isso eu não consigo entender de jeito nenhum!"
Ele se virou para a lareira, enquanto eu falava com ele. Depois, ele olhou para mim, e disse:
"E onde é que você aprendeu os conceitos do justo e injusto? Um homem não qualifica uma linha torta de "torta" a não ser que ele tenha uma ideia do que uma linha reta é. Como é que você compara o universo quando o qualificou de "injusto?" Claro que você poderia ter abandonado a sua ideia de justiça afirmando que ela apenas era uma ideia pessoal. Mas se fizesse isso, então o argumento contra Deus teria um colapso uma vez que o argumento depende do fato de o mundo ser de fato injusto e não simplesmente que ele não agrada as suas preferências pessoais."
Ele voltou a olhar para a lareira. Fiquei sem o que dizer na hora; Queria eu ter algo contra a dizer, mas nada vinha à cabeça. Realmente fazia muito sentido o que ele tinha me dito. Depois daquilo, fui para meu quarto, e sentado sobre a cama, fiquei pensado naquilo tudo. Nada vinha à cabeça que pudesse dizer que ele estava errado. Então eu ajoelhei de frente a cama, e orei, dizendo:
"Oi, se estiver alguém me escutando, quero que saiba que desejo muito acreditar no Senhor. Se puder ter misericórdia de se aparecer a mim ficarei muito grato. Amém."
Após a oração, senti algo muito forte no meu peito. Uma sensação inexplicável de vigor e energia, da qual nunca havia sentido antes. Eu olhava pela janela e via aquele céu azul, a grama ao redor da casa, o ambiente, e tudo, e em tudo eu via uma beleza tão grande e que só havia um motivo para a existência daquelas coisas: Alguém, um Ser, Todo-Poderoso, amoroso e justo, havia criado tudo aquilo. Não era mais um mundo que surgiu ao acaso, era um Universo cheio de leis regidas por um Legislador. Deus havia se mostrado a mim, de maneira tão esplêndida! Só de lembrar isso me deixa tão alegre! Me sinto até mais esperançoso dentro desse barco, rumo à Ilha de Cecília. Lá encontrarei um amigo que me ajudará a divulgar essa carta para todas as pessoas da Europa e a quem conseguirmos, se Deus quiser.
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O Manuscrito Venicci
Science FictionEu, Lorenzzi di Viena, escrevo essa carta, certamente sem destino, para relatar e documentar tudo o que sei é descobri até agora. Algumas dessas coisas que serão contadas nesse livro não podem em hipótese alguma parar nas mãos da Igreja. A você, dou...