Capítulo 2

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Fazia duas semanas que Arm estava fora da mansão. Muitos pensavam que ele tinha, finalmente, tirado férias; outros pensavam que ele estava em algum tipo de missão.
Arm não se importou em levar o seu telemóvel consigo pois tinha combinado com Kinn que só voltaria caso descobrisse alguma coisa relevante. Até agora, nada.

Suspirou e atirou a sua armação contra o computador. Sentia que Ken precisava de ajuda, mas era difícil convencer Kinn disso. Nem o próprio Porsche conseguira. Porém,  tinha sempre planos para todas as letras do abecedário e Kinn sabia que Arm não desistiria tão facilmente.

Encostou-se na cadeira e respirou pesadamente pensando nos próximos passos a dar.
Ouviu o tilintar da loiça na cozinha e sorriu quando a sua mãe gargalhou com uma velha anedota que o seu pai lhe contara. Podiam passar anos mas nada mudara. Era esta a boa sensação de regressar a casa. A certeza de que teria sempre um porto seguro mesmo que o mundo tivesse colapsado.

Austrália

Ken sentiu-se tonto. Fechou os olhos para afastar a tontura que sentia a aproximar-se. Agarrou-se ao balcão da cozinha e respirou fundo para reprimir o vómito que ameaçava subir pela sua garganta.
A porta da frente abriu, assustando-o. Grossas lágrimas escorriam pelas suas faces como se o  avisassem para a tortura que se avizinhava. Céus, como Ken odiava amar aquela canção de cowboys!

A cada chicoteada, a cada insulto,  a cada confronto com a morte faziam-no sentir próximo de Big. Temia o dia em que poderia se esquecer do seu rosto, do seu sorriso, da sua voz... Os seus sonhos eram assombrados com as memórias das promessas de amor e Ken abraçava o seu corpo magro na tentativa de se lembrar da sensação de estar nos braços de Big.
As previsões do tempo para a semana seguinte tiraram Ken dos seus devaneios. Pigarreou e limpou o seu corrimento nasal na manga da camisa.

James suspirou ruidosamente e deu um logo trago de cerveja. As previsões não eram favoráveis para si. Não sabia por quanto mais é que iriam aguentar as colheitas sem precipitação. Sentia-se frustrado por ter que tomar conta de um empecilho, de um negócio que não era dele tudo porque o seu irmão quer expandir o negócio para a Inglaterra e, ainda por cima, nem uma única gota brotava dos céus!
Varreu os olhos pela sala e o seu olhar fixou-se no canto à esquerda. O seu raciocínio não foi tão rápido para perceber porque o seu olhar estava vidrado na cesta de vime mas as ações foram rápidas como um gatilho.

- Ken, Ken! - gritou a plenos pulmões pontapeado a mesa de centro. A dor fê-lo ficar ainda mais enfurecido. - Porque raio a cesta ainda está ali parada?

Ken paralisou encostado ao balcão. Se o tio não lhe batesse, ele próprio o faria. Como é que se pode de ter esquecido de entregar a encomenda à família Holmes? Rezava para que o velho Alfred ainda não tivesse saído de Sydney.

James tirou o cinto e adentrou a passos largos na cozinha. Engoliu em seco. Quando fechou os olhos lembrou-se do ódio do rosto de Big e da arma que este lhe apontara.

" Devias de me ter matado." Pensou. Seria rápido. Agora a sua morte era dolorosamente lenta.

James atirou o cinto contra a loiça derrubando algumas coisas da bancada. Ken encolheu-se para se proteger dos pedaços de porcelana e levantou o pé esquerdo para não pisar os cacos.

Atirou a segunda vez. Mais uma vez. Outra e assim por diante. Atingia os lados de Ken nunca o acertando.
Ken abriu os olhos, incrédulo. Seria falta de pontaria ou haveria algo mais?

James riu incontrolavelmente. Ver o sobrinho de respiração acelerada, encolhido e a olhar para os cacos no chão era hilário para si.

Pigarreou assustando Ken. Aproximou-se e apertou-lhe as bochechas com força.

- Aquela cesta não vai sozinha para a casa dos Holmes, alguém tem de a entregar... E esse alguém de certeza que não sou eu!

Ken franziu o nariz. O hálito do outro tresandava a cerveja. Gemeu quando o apertou aumentou forçando a sustentar o olhar ameaçador do seu tio.

- Ninguém pode suspeitar de nada. Nem uma sílaba disto! Senão aquela caixinha pode arder misteriosamente.

Ken soltou a respiração quando deixou de ouvir os passos pesados do outro homem e permitiu deslizar-se pela bancada.
Abraçou as suas pernas e repousou a sua cabeça nos joelhos. Quando se sentiu mais calmo e os seus soluços pararam, levantou-se e preparou-se para enfrentar os desafios que este dia traria.

Tailândia

Pensou se deveria de enviar. Não tinha conseguido reunir as provas que queria. Talvez estivesse a ser paranóico. Kinn tinha razão. Ele sentia-se culpado e tentava convencer-se que Ken estava em perigo para o salvar.
Não que ele quisesse o mal do outro, mas sentia a consciência pesada e queria, desesperadamente, salvar o outro para tirar o peso de cima de si.

Ninguém percebia porque Arm se sentia-se assim. Antes de ir embora, Ken tinha deixado bem claro que não estava ressentido, nem o culpava por nada.
Mesmo assim enviou. Pode ser que alguém conseguisse ver o que ele não conseguia. Os ficheiros consistiam, principalmente, em informações sobre os amigos e a família de Ken.

Não havia espanto para tal. Eram pessoas normais, com vidas comuns. Nada de obscuro, nada de negócios estranhos, nada que pudesse acarretar perigos para o amigo.
Aliás, Arm descobriu que o melhor amigo de Ken era um bom polícia e, portanto, se houvesse algo muito de estranho, o amigo teria descoberto e o ajudaria, certo?

Suspirou. Esperava que sim. Abriu a janela do quarto e o ar frio entorpeceu-lhe os sentidos. Arrepiou-se com a última cartada que tinha em mente. Esperava que tivesse muito longe de a usar.

BigKen - Depois da traiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora