CABURÉ-ACANELADO

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Sou um Caburé-acanelado e vivo pelas regiões nordestinas observando as coisas mais intrigantes das florestas, praias e as demais belezas naturais desse paraíso maravilhoso e divino.

Muitas pessoas me vêem e não sabem meu nome. Os cientistas têm uma nomenclatura própria para aves da minha espécie. Me chamam de (Aegolius harrisii). Já os nordestinos não alfabetizados me chamam de coruja-canelão. Porém, qualquer pessoa que me vê vai olhar e dizer: — vixi maria, espia pra li, é uma coruja, que presepada da gota, óia o tamanho da canela dela, sangue de Cristo tem poder. Imagina uma dessa de noite na mata, mar minino, eu corro que só a gota serena. 

Nordestinos amam falar, tem seu sotaque peculiar, dó eu tenho de quem senta com um senhorzinho que mora ali perto da roça no interior de Pernambuco, uma daquelas casas de barro com a porta dividida pela metade, uma cadeira de balanço de uma cor barrenta, embaixo de um lugar onde a luz do sol não atrapalhe o descanso depôs do almoço. E a estrada só tem areia. Não passa carro, mas quando passa, a casa do seu João Zenebra enche de pó. E demora horas para poeira baixar, e vai demorar mais alguns anos até outro carro passar.

No interior de Alagoas tem Dona Dulce.
Ela lava roupa no rio. E chama algumas amigas para não voltar sozinha. Ô munhé pra conversar vice.

Deixando o estereótipo de lado um pouco. Nordestino é um povo inteligente e carente de tecnologia. Alguns nunca viram um aparelho celular, e quando vê, diz que é coisa de Aatanás.
Nem todo nordestino ama cuscuz. Mas não fale de cuscuz perto de um nordestino, NUNCA. Até os que não gostam vão te encher na porrada. Vai lagar facão, pedaço de braço de cadeira, e afins. Imagina falar de cuscuz pra um fanático? Esse povo se vira no cão.

No interior do Estado do Ceará tem o seu Zé. Ele é peça miserávi. Ele responde todo mundo com grosseria, ele é orgulhoso e é chateado com a vida. Ele tem mais de 80 anos de idade.

Em seus dias de glória o seu Zé joga bola coma as crianças no campinho na beira do rio. Em seus dias de estresse (quase sempre), ele passa de propósito perto do campinho dos meninos e diz:

— se essa bola pegar ni mim, mas eu furo ela de dente.

Os meninos que também são desaforados. Pegam a bola e chutam devagar nas costas do seu Zé.
O legal de saber dessas coisas é que de fato seu Zé rasga a bola. E não é a primeira vez.
Não me pergunte com que dente ele consegue rasgar a bola.
Mas é importante ressaltar que a bola é feita de pano enrolado em uma bola velha. Não é muito difícil de rasgar com a gengiva.
Ele também é muito ignorante. Veja só como ele responde:

— Opa Seu Zé, o sinhô tá bem? Já melhorou da sua dor na coluna?

— Opa Dona Benta, já tô melhor sim! — ele afirma.

— O sinhô foi no hospital pra saber se realmente tá bem? — Dona Benta pergunta.

— Fui sim. E ele falô que já tô ótimo e só preciso ficar em casa de repouso.

— De repouso seu Zé!? E não era o sinhô que tava lá no campinho arengando com os mininos não?

— Era não. Na verdade era meu irmão gêmio. Eu tava em casa de repouso.

— Oxe Seu Zé. E desde quando o sinhô tem irmão gêmio? — ela pergunta discabriada.

— Desde segunda-feira passada que eu tenho. Tô pensando em ter outro mês que vem. — ele responde com sarcasmo.

— Misericórdia Seu Zé. Fique com os seus estresses que eu tenho é o que fazer e tô atrasada — Dona Benta vai embora ciscando o chão.

O bom de ser uma coruja como eu é que eu consigo viajar por todo o Nordeste e sem reclamar. Sou acostumado. Gosto de andar pelo dia e pela noite. Tenho tanta coisa para compartilhar.
Vôo o Nordeste todo aprendendo com esse povo, não me imagino fora daqui, eu me sinto em casa. Meus pais e avós já faleceram, mas nunca foram para aquelas bandas de lá. E nem eu vou. Lá pra riba tem coisas estranhas. Eu amo o cheiro de terra molhada.

Vou voando e viajando, conhecendo histórias, e eles sempre falam comigo quando passo, eles me reconhecem, não me machucam, não sou carne boa pra eles, mas tenho amigos que já foram comidos por eles, o que não vem ao caso agora, enfim.
Já falei demais, tô indo voar por alí, quer me acompanhar? Eu aínda tenho alguns coisinhas que são importantes lembrar, muitas aventuras e desafios. É preciso coragem, olha que já vem um olhar estranho, mas aqui no Nordeste não tem segredo, ninguém se perde, todo mundo conhece todo mundo. Venham. Vamos por aqui...

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