say something

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Você é a única pessoa que eu amo
E estou dizendo adeus
D

iga alguma coisa, estou desistindo de você

Say Something, A Great Big World.

É claro que aquilo não seria uma boa ideia, surfar depois de vinte anos. Mas ele era teimoso, e o tanto que ela insistiu para que ele não fizesse aquilo, poderia ter entrado no livro dos recordes. A teimosia resultou numa cama de hospital, em uma roda de oração interrompida pela crise de riso dos mais novos, fazendo a mão de Rita instantaneamente ir de encontro ao ombro de Tatalo e um puxão de cabelo em Isadora. Ninguém entendia o nervosismo de Rita e nem ela conseguia explicar. Então quando eles adentraram o quarto e viram ele acamado, a respiração fraca e o rosto abatido, o coração de Rita travou. Parou, na verdade.

Celinha se sentou na cama o abraçando, Isadora segurou a mão do pai e Tatalo grudou na mãe. Bozena sentou-se ao pé da cama, havia tantas pessoas naquele quarto que era impossível dizer onde cada um estava, Rita “perdeu” Arnaldo no meio da multidão. Mário Jorge não acordava, não reagia aos chamados e Rita se desesperava cada vez mais.

Mas a expressão de Isadora mudou, foi quando o olhar de Rita abaixou e ela viu Mário Jorge apertar a mão de Isadora com toda força do mundo. Seu coração se aliviou, assim como a respiração de Tatalo.

— Aí, pai! Solta, solta! – ela bateu na mão dele, levantando-se da cama.

— Não foi dessa vez, mau caráter. – ele abriu os olhos, gargalhando em seguida. Rita logo entendeu que era uma encenação.

— Ai, Mário Jorge, graças a Deus! – Celinha o abraçou, beijando seu rosto em seguida.

— Você fingiu tudo isso? – a voz dela saiu embargada, ele estranhou, Rita nunca iria se preocupar com ele.

— Se não fingisse, não seria eu. – piscou, percebendo que os olhos dela havia um acúmulo de lágrimas, e todos estranharam ainda mais quando ela saiu correndo. — O que deu nela?

— Deve ser TPM. – Arnaldo deu de ombros.

Ela não conseguia respirar, o corredor do hospital era pequeno demais, o ar não existia e o chão parecia invisível. Ela conseguiu se encostar na parede e deslizar no chão, tentando controlar a respiração e a tremedeira nas mãos, sua visão estava turva pelas lágrimas acumuladas. Então pela primeira vez em tantos anos, ela se permitiu liberar aquelas lágrimas, se permitiu chorar, desabar no corredor daquele hospital. Ela já não enxergava mais nada, sequer sabia se alguém estava por perto. Talvez algum doente em algum leito a olhava.

Ela fingiu estar bem quando a enfermeira perguntou, avisou que era só seu emocional que não estava bem, mentiu. Mentiu para si mesma que o odiava por tantos anos, mas aquela preocupação resultaria em algo e ela viu o pânico tomando conta de si.

Ele nunca foi pai, nunca. Ele nunca esteve presente, na verdade ele foi presente durante anos, mas algo nele mudou. O encantamento parecia ter morrido e era difícil conversar com as crianças sobre como o papai estava distante. Quando isso se tornou tão triste, Rita? Você sempre conseguiu suprir a necessidade deles quando o papai não estava em casa, por que isso agora?

Outro soluço saiu, esse foi mais alto talvez. Era uma mágoa de anos, era raiva, ódio talvez. Se odiava por se preocupar tanto, por pensar tanto em como teria sido se nunca tivessem se separado. Se odiava por ter materializado um matrimônio perfeito. Mas amava relembrar o jeito que ele a amou, o jeito único que ele cuidava das crianças quando ela só queria descansar. Talvez seja por isso que ela não entendia a ausência paterna.

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