– VANESSA RIOS –
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Quando eu era criança, por volta dos meus dez anos eu tive uma das melhores semanas de férias da minha vida quando fui pela primeira vez a cidade de Belo Horizonte, capital de minas gerais visitar a irmã do meu padrasto.
Antes de ir eu estava reclamando, como qualquer criança prestes a virar adolescente faz. Eu alegava que não teria nada de interessante por lá e que ficaria no completo tédio. Um equívoco.
Aconteceu totalmente o oposto pois eu acabei fazendo um amigo. O nome dele não me vem a mente mas, os seus traços sim. Era um garoto da mesma idade que eu, porém alguns centímetros mais alto e da pele muito alva, cabelo estilo justin bieber e uma carranca nos lábios por incrível que pareça, bonitos como um coração.
Eu me recordo bem de estar sentada na calçada da minha tia, brincando com as poucas gramas e areia da rua quando o garoto se aproximou sem dizer uma única palavra. Para quebrar o silêncio estranho eu o cumprimentei e disse o meu nome, ele não disse o dele ao contrário saiu correndo e eu o vi entrar na casa gigante que ficava no final da rua bem na esquina.
No dia seguinte, quase que no mesmo horário quando eu coloquei a cara no portão ele já estava na calçada da minha tia, com dois carrinhos em mãos, um vermelho e outro azul e então me entregou o vermelho meio sem jeito. Estaria ele me convidando para brincar? Ou apenas me dando o brinquedo? Era de controle remoto, ambos caríssimos. Eu o questionei se ele queria companhia para brincar e ele apenas afirmou com um aceno e então ficamos a tarde toda brincando e a única coisa que eu ouvia de si era sua risada gostosa, talvez não soubesse falar. Será? Ou tinha alguma dificuldade na fala?
Mas aquilo não foi problema já que passamos a brincar todos os dias até nossas férias durarem. Um dia era bicicleta, no outro era de pique, e por vezes inventávamos alguma coisa ou melhor, eu inventava e ele apenas concordava. E no nosso último dia de brincadeira foi surpreendida quando ele finalmente falou algo:
"Eu sou o..., vou embora amanhã e você pode me escrever se quiser."
Fiquei em choque pois me lembro de ter achado a voz dele um tanto quanto grossa para um moleque de dez anos. Mas o que eu fiz foi sorrir e assenti quando ele tirou um papel do bolso e me entregou, era o seu endereço para correspondência.
Austrália.
Espera, Austrália!!! Será que ele ainda morava no mesmo lugar ?
Mas isso não vinha ao caso, o que aconteceu depois foi um desastre. Provavelmente sua mãe ou avó, não sabia bem, foi buscá-lo e quando nos viu juntos o puxou de forma brusca me lançando um olhar de desprezo. O loirinho não teve chance de falar nada mas o vi me olhando com os olhos tristes enquanto a mulher o arrastava pela rua e ainda pude ouví-la dizer "o que fazia brincando com aquela neguinha?"
É...
Eu nunca mais falei com ele, não tive coragem de escrever.
📙
Na fila do refeitório eu tentava a todo custo não ir de cara no chão com cada empurrão que me davam. Sinceramente os bons modos haviam passado bem longe daqueles animais. Claire apenas sorria baixinho e tentava não me perder de vista.
Quando estávamos com nossa bandeja em mãos finalmente, procuramos um lugar para sentarmos.
— Cara como eu amo burritos* — ela disse lambendo os beiços enquanto pegava com a mão mesmo o tal alimento que parecia mais com frango frito. E depois descobri que era mesmo. — Mas e aí, o que tá achando daqui até agora? — questionou com a boca meio cheia.
— Sydney ou o colégio? — questionei meio confusa.
— Os dois, sei lá. — ela deu de ombros. — Eu odeio esse lugar, sinto falta do Japão. — disse e só então me liguei de que ela tinha traços orientais.
— Bom, eu também prefiro eu meu país mas, tenho que me adaptar não é? — eu disse pegando o suquinho de caixinha que dão como bebida.
E quase me engasguei com o estrondo que ecoou pelo local. Levei meus olhos ao que estava acontecendo e encontrei um garoto caído no chão, negro. Seus óculos estavam jogados de um canto, enquanto ele tinha comida por toda sua roupa e o pé de alguém sobre sua barriga. Ergui meus olhos e encontrei o garoto do supermercado de pé diante ao garoto caído enquanto mantinha um sorriso maléfico nos lábios. Seus amigos ao redor, alguns riam e outros tentavam afastá-los.
— "O que é? Esses óculos na sua cara não servem para nada mesmo não é?"
Surpreendendo a mim mesma, eu bati na mesa com força me levantando. Vi quando Claire me olhou assustada e sem entender nada.
Em passos rápidos caminhei até os envolvidos e sem dizer nada me abaixei até o garoto caído, pegando seus óculos e o entregando. Com um pouco de dificuldade ele se sentou com um semblante triste e envergonhado e colocou os óculos.
— E quem te chamou aqui? — ouvi a voz ríspida do loiro acima de mim.
Não respondi e então ajudei o garoto a se levantar batendo as comidas de sua roupa. Eu não tinha nojo do alimento, estava com nojo era do babaca que estava bem ali me encarando com ódio.
— Eu disse quem te chamou aqui preta. — disse agarrando o meu pulso e por reflexo eu me virei lascando um tapa em sua face.
Assustada comigo mesma eu me afastei e pude ver a marca certinha a marca dos meus dedos em seu rosto que estava adquirindo uma coloração bem vermelha. Estou fodida.
— Como você se atreve sua vagabunda ? — ele resmungou ameaçando a vir pra cima de mim mas no exato momento uma garota loira e muito bonita por sinal chegou o agarrando com força, o impedindo.
— O que está acontecendo aqui ? — ela questionou olhando de mim para ele e então olhou o seu rosto arregalando os olhos levemente. — O que foi isso? Vincent...
— O que está acontecendo é que o seu namorado estava humilhando aquele garoto. — disse para o garoto encolhido um pouco distante. — E eu não pude aguentar alguém ser tão babaca e ninguém desse lugar fazer nada. Isso é bullying e atualmente é crime caso não saibam ! — me enraiveci.
— Calma... — ela disse tranquila mas olhou para o "namorado" ou sei lá o que com pesar. — Isso é verdade Vin? Você estava incomodando o garoto...
— Claro que não. — ele bufou. — Esse cego escorregou em uma casca de banana e caiu com a bandeja toda em cima dele, você não está vendo que ele sujou até a mim? — mostrou uma mancha pequena em sua jeans preta. — Por quê está brigando comigo?
— Não seja cínico, você estava com o pé em cima da barriga dele o ridicularizando. — disse o emcarando com fúria.
— Por quê você não cuida da sua vida sua maca... sua idiota ! — disse e deu as costas para todos pisando fundo para longe.
O refeitório estava um caos, muitos dos alunos haviam filmado a treta e muitos me olhavam. Alguns me elogiando por ter enfrentado o pateta e outros com olhar de reprovação. Claire me olhava surpresa e quando me aproximei ela disse as únicas palavras mais fiéis que alguém já me disse em toda a minha vida.
— Amiga, você procurou por problema.
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*Finalizada* BRANCO E PRETO
Teen Fiction#1 EM PRECONCEITO# Vanessa achou que já tinha passado pela situação mais desconfortável da sua vida quando foi acusada de ladra por uma coleguinha na quarta série, porém ela estava enganada já que o pior estava por vir. O que acontece quando se é...