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Reino de Han, Palácio Real

Em um assento de madeira escura com entalhes de cerejeira, se encontrava o Terceiro Príncipe. O rapaz percorria os olhos escuros por uma literatura intrigante. Seus cabelos escuro-azulados como as profundezas do Mar Gélido estavam presos no topo de sua cabeça em um coque bem elaborado, e o acessório masculino dourado - tom utilizado pela família real e nobreza - mantinham seus cabelos alinhados. Seus lábios levemente avermelhados estavam pressionados em um ato de concentração do príncipe. Aquilo que ele estava lendo o incomodava ao mesmo tempo que o encantava.

O autor da literatura fazia uma crítica pesada contra a família real de Han. Alegava que eram tão inúteis que negligenciavam na supervisão dos trabalhos entregues nas mãos dos ardilosos ministros. Considerando aquele conteúdo, a corte real estava precisando de uma limpa e de novos talentos, habilidades que seriam encontradas por meio de um Exame Real. O Erudito Xi Fu, autor do livro, poderia enfrentar grandes problemas ao escrever esse tipo de coisa. Aparentemente ele não se importava, afinal, no seu modo torto de ver e fazer as coisas, o homem se via como uma luz para o povo. Luz que precisava ser erguida em meio a escuridão - a própria família real.

Um homem como aquele, que não servia a corte, apenas atrapalhava. O príncipe não negava que ele era inteligente e que poderia ser útil, o escritor possuía um olhar afiado para as situações atuais do governo e era uma pena que tenha recusado estar a frente com suas ideias geniais e esclarecedoras.

O príncipe estava intrigado mais uma vez. Respirava com dificuldade enquanto lia cada palavra e frase dedicada a sua família pelo erudito. Aquilo poderia ser considerado até mesmo uma ameaça. Sim, as falas e considerações do homem incitariam uma rebelião. Ele dizia em seu livro que se a família real não estava fazendo o possível para manter todos vivos, eles não eram dignos de liderar a nação. O príncipe fez uma careta. A nação - como acreditavam - era escolhida pelos deuses. Criticar a família real era ir contra as ordens celestiais. O Rei era a própria encarnação do Supremo Deus.

Bom, era no que acreditavam.

Seus olhos se arregalaram. Aquela frase... não podia estar lendo aquilo. O príncipe esfregou os olhos, como se limpasse a visão e aquilo que vira era apenas uma ilusão de sua mente cansada. Não. Xi Fu não poderia ter escrito aquilo. Olhou novamente. Ele realmente fez aquilo.

— Ainda não estamos prontos para isso — sussurrou incrédulo, os olhos pretos lendo mais uma vez o trecho escrito pelo erudito. As mãos passaram por seu rosto, pressionando com força — Isso vai ser...

— Alteza! Alteza! — Xiao Niu entrou em seu aposento pálido. Seus olhos tão arregalados e a respiração descompassada, seu peito arfava em busca de ar. — Temos problemas.

O Terceiro Príncipe fechou os olhos com força. Havia mais problemas para lidar. Ele não deveria ter se oferecido para ajudar a...

— Há rumores intensos sendo espalhados pela capital... — o servo pessoal do príncipe mordeu o lábio inferior, pensando nas palavras que seriam ditas a seguir — estão dizendo que a Rainha Viúva dará um feudo a Primeira Princesa — se pôs de joelhos imediatamente e se prostrou.

— Insolente! — O príncipe se agitou e a fúria tomou conta de suas feições tão lindas e delicadas, com o braço direito ele lançou uma xícara de chá em direção ao chão. O barulho foi o suficiente para que todo o ambiente se tornasse silencioso. Nem mesmo os pássaros possuíam coragem de gorjear.

O rapaz se manteve naquela posição, a cabeça prostrada e a testa pesada contra a madeira do aposento. Aquilo lhe renderia uma marca avermelhada por algumas horas, com certeza.

— Identificou a fonte? — Perguntou o príncipe, seus passos firmes e imponentes deslizando pelo desnível de onde sua área de estudo se divide com a sala de seu quarto.

O rapaz não respondeu.

— Você sequer sabe por onde começou essa droga?

Xiao Niu não ousou erguer a cabeça ao responder:

— Não conseguimos identificar, Vossa Alteza.

As mãos se apertaram contra a camada superior transparente de seu hanfu. O suor incomodou, ele sabia que estava perdendo o controle. E perder o controle naquela situação seria prejudicial.

— Alguma informação se esse boato chegou à corte?

O rapaz ergueu a cabeça e sentiu o olhar furioso do príncipe recair sobre si.

— No momento não, mas pode ser relatado no dia seguinte.

Ele suspirou aliviado, talvez não chegasse ao seu Pai Real aquela informação. A pessoa que planejou aquilo sabia o que estava fazendo.

— Há outro boato... — o rapaz se encolheu com o olhar que se manteve nele, sentia sua garganta se apertar, ele poderia morrer facilmente por falhar em seu dever.

— Diga — disse o príncipe entre dentes, tão furioso que seus olhos escuros pareciam incendiar em uma negra chama.

— O povo tem comentado que os príncipes são incapazes de governar o reino, e que apenas a Primeira Princesa é digna de reger Han.

A fúria pareceu dissipar quase que imediatamente. Seus ombros tombaram, como se um peso imenso tivesse saído deles. Aquela garota ainda o deixaria de cabelos brancos antes da hora. Ele respirou fundo. Agora tudo começava a se alinhar em sua mente. O livro e os boatos. Li Hua estava pronta.

— A hora chegou — disse tão baixo como se não quisesse acreditar, como se tivesse medo do que aquelas palavras poderiam fazer. O rapaz que servia o príncipe ainda estava prostrado no chão, sua cabeça havia retornado ao piso de madeira. O príncipe agachou ao seu lado, suas mãos frias e trêmulas lhe tocaram suavemente — Levante-se, Niu.

Ele se pôs de pé, não havia nenhum traço de medo ou temor. Ambos se conheciam há anos, Niu entendia o príncipe muito bem. Sabia que toda aquela fúria não era direcionada a ele, mas ao responsável por instaurar o caos. Um caos que duraria até que fosse eliminado pela raiz. Quando fosse morto. Despedaçado.

— Qual o próximo passo, Alteza?

— Primeiro, devemos monitorar a corte. O que eles dirão sobre os boatos e o livro de Xi Fu. Segundo, precisamos saber o que a Rainha e a Avó Real farão com essa informação. E terceiro, descobrir quem foi o desgraçado que começou a revidar.

Niu assentiu com determinação. Era o seu dever descobrir aquelas informações e relatar ao seu príncipe. Com uma reverência elegante e formal ele se retirou do Palácio da Boa Vontade.

Não era segredo nenhum para Han Lian, o Terceiro Príncipe, sua irmã desejava o trono, e ele lhe daria o poder de conquistá-lo.

— Relatório!

Han Lian se virou na direção da voz que bem conhecia. Era o seu mensageiro e espião do Posto do Sul. Quem naquele imenso reino não possuía alguns - milhares - de informantes? Seus olhos encontraram os do rapaz esguio. Os ombros largos pareceram se encolher com a pressão esmagadora do olhar que recebera do príncipe preocupado. Cada relatório poderia conter duas alternativas significativas: vida ou morte.

O homem se ajoelhou perante seu mestre, e com a cabeça abaixada e os braços erguidos acima da cabeça ele segurava um recipiente de jade branca cuja ponta era esculpida na insígnia da princesa em um tom vermelho. O príncipe tomou de suas mãos, retirou o lacre vermelho e pegou para si a informação que o mensageiro trouxe com urgência.

A cor de seu rosto esvaiu. Estava tão pálido quanto aquele recipiente de jade.

— Vá. Informe o Quarto Príncipe. Depressa!

O homem saiu rapidamente sem sequer prestar uma reverência decente, mas naquelas circunstâncias o tempo era precioso. Tudo pareceu ruir. Quais eram os planos de Li Hua? Por que, de repente, ela agiu? Ela não iria esperar? Não iria primeiro se aliar a outro reino antes de atacar com força total os príncipes? Ele estava desolado, não tinha ideia do que se passava na cabeça de sua adorável irmã, a Primeira Princesa.

[1] Desejo e Poder, O Império de Han [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora