Parte3

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           Enganador de si próprio

Esdras Lincoln

A verdade é superestimada, todos temos dias amargos, dias em que não tem nada mais doce que a pérfida mentira.

Isso não está acontecendo... Inspiro andando de um lado para o outro, o médico disse que minha pressão caiu, disse que eu deveria evitar pensar em coisas estressantes « — e como o senhor supõe que eu faça isso quando minha família está desaparecida no meio de um insendio, dentro de uma aeronave que despencou caindo de uma altura superior a de cem metros? Eles devem estar assustados, machucados, sufocando, Deus, meus filhos são só crianças, pequenos e frágeis. Ash... É delicada — senhor Lincoln...— era para eu estar com eles, eu deveria...— se não se acalmar serei obrigado a seda-lo e dormirá novamente  — olho para o homem mais velho, olhar inteligente e vestes brancas que não me transmitem paz alguma, ou calma. Só consigo pensar que é para pessoas vestidas assim que minha família será encaminhada... Se forem resgatados a tempo, se tiverem resistido a queda, se, se, se...nenhuma certeza. Será que eles estão vivos? Desvencilho-me do médico — preciso salvar minha familia, tento sair mas logo mais pessoas de branco se aproximam e sinto algo picar meu braço. Minhas forças. Meus olhos. Meu corpo — preciso... Josh, Sarah... Loura, não. Não vão...»
Paro um pouco. A quanto tempo estou aque? Dormindo e acordando, lúcido e dopado por sedativos sem ter permitido? Não sei o que está acontecendo lá fora, não sei como vão as buscas, se há sobreviventes... Não, eles estão bem, a pergunta certa é se já foram resgatados, é... Porque Deus não me faria isso, não me destruiria deste modo. Minha família está bem, sim... E o que ainda estou fazendo aque? Olhei ao redor e avistei minhas roupas em cima de uma poltrona no quarto branco cheia de equipamentos hospitalares. 

Estava abotoando minha camisa quando a porta do quarto foi aberta, me preparei para ter uma conversinha com o médico, acerca dos direitos de um paciente em pleno uso de suas faculdades mentais, mas não foi ele que passou pela porta — Se preparando para fugir do hospital, sem pagar? Esdras, VC é rico. — Não rio de sua piada, principalmente porque seu rosto pesado e contorcido não coadunou com a brincadeira — Não tenho porque fugir, Cipri.
Olho um pouco para a gravata até que decido ignora-la, melhor sem. — Eu preciso sair daque, tenho que ir saber se já encontraram, Ashley, Sarah e Josh... Eu sentia uma forte necessidade de dizer os nomes deles, sim, porque eles tinham nomes, nomes lindos e são seres humanos ainda mais lindos, tem uma vida pela frente. Uma longa vida. Eles estão bem, mas acho que nunca mais os convenço a viajar de avião, principalmente o Josh, ele detestou a ideia desde o princípio, devia ter te dado ouvidos, acampar era melhor. Sorrio ao lembrar da cara do meu filho, olho para Cipriano que tem uma expressão meio distante e condoida, afasto o pensamento — VC pode me dar carona até a delegacia, preciso me informar. Apalpo meus bolsos a procura das minhas chaves, ele acena, mas não as encontro. Saímos juntos mas Cipri resolveu toda burocracia do hospital, acinou junto comigo o termo de responsabilidade por eu estar saindo sem autorização médica — Obrigado, primo. Ele faz que não e saímos. Chegamos na sede dos bombeiros, que é onde esta sendo reportada tod'as atualizações concernentes ao acidente, a acção dos profissionais em campo, as buscas... Peguei na maçaneta, pronto para abrir a porta mas sou parado por Cipri, que me pede para esperar, observo-o, todo caminho do hospital até aque evitei perguntar para ele qualquer coisa sobre o acidente, e ele também não parecia muito disposto a falar, agora porém... Vejo a certeza em seus olhos claros, certeza e muitas outras coisas, que decido serem inomináveis, que escolho ignorar.
— Pode falar Cipri. Falei mas a careta que ele fez me fez pensar se não o mandei para o inferno ou lhe dei um soco — Enquanto VC esteve no hospital eu tomei a liberdade de assumir seu lugar e me colocar como o encarregado de receber todas e quaisquer notícia relacionadas a operação de... busca, em nome da família Lincoln.
— Apenas Acenei, sem estrutura alguma para agradecer, minha cabeça e ossos estão começando a doer. Parece que já começou a falar, mas só consigo me concentrar e realmente ouvir algum tempo depois. — ...Eles tentaram conter o insendio de todas as formas mas era muito forte e demoraram algum tempo para conseguir istinguir as chamas, imediatamente começaram a organizar as equipes de...
— Pare de dar voltas e vá directo ao ponto — apertei minhas têmporas— encontraram minha família? Eles estão no hospital? Ou já foram para casa? Cipri Arregalou os olhos e acho que estou vendo coisas mas uma lágrima pareceu cair de seu olho esquerdo, então começou a mexer a cabeça, numa lentidão torturante, apertei minhas têmporas com mais força — E-Esdras, precisa ser forte. Droga! Não queria ser eu a falar, mas VC sempre esteve lá para mim e...
— Cipriano Mellon! Faço que não com a cabeça, sem saber porque — eles procuraram mas não os encontraram... O fogo era muito forte e intenso, demorou muito para apagar, eles fizeram o que podiam mas não adiantou, não houve sobreviventes... Dizem que pela posição que a maioria dos corpos foram encontrados, é possível que já estivessem mortos antes do fogo, morreram com o impacto ou o fumo das chamas os sufocou, não as chamas, Esdras... Eles não sofrerão
— Preciono a maçaneta do carro e me jogo com tudo para trás esbarrando na própria porta e caindo no asfalto sujo, frio e doloroso... — Esdras! Mas que droga, VC está bem?  Parece preocupado; — eu não entendo... — o que você não entende? Une as sombrancelhas.
— Porque está mentindo para mim, Cipri? É a minha família que está lá, chorando e sofrendo, desesperada, com medo, gritando por mim! — Esdras...
— NÃO QUERO OUVIR MAIS NADA! Gritei exasperado mas logo me recompus — Vou falar com o responsável pela operação. Comecei a andar, em direção a entrada da sede,  apesar de ser tarde, quando avisarão que um dos parentes das “ vítimas” estava aque fora o responsável decidiu vir me encontrar, parece que ninguém além do pessoal autorizado pode entrar no quartel general nesse horário. Parente das “ vitimas” que pesado! Cipri chegou até onde eu estava, não tão perto, mas perto. De longe avistei um homem mais ou menos da minha idade, vindo em nossa direção, ele cumprimentou o guarda, e depois nos saudamos e apresentamos, olha para o lado e acena para Cipri — Gostaria que me atualizasse do caso. Ele pareceu um pouco confuso, olhou para Cipri e disse — Todas as novidades e pertinências, que nos foi permitido partilhar com civis, referentes ao caso, foram passadas de mim para o senhor Mellon, representante de sua família, quando o senhor se mostrou incapacitado.
— Ele mentiu para mim, preciso que o senhor me fale, que o senhor me diga em que hospital minha família está. Sai firme, mesmo que por dentro eu esteja ruindo, que meus muros estejam todos caindo de uma só vez, de dentro para fora. O homem coça a cabeça e suspira fazendo uma pausa longuíssima — sinto muito, senhor Lincoln, infelizmente posso falar isso sem olhar para qualquer papelada onde teria alguma lista ou coisa do tipo, com os nomes de feridos, sãos e outros para procurar antes de lhe dar uma resposta... Não há e nem ouve  sobreviventes, logo, não existiu a necessidade de fazer uma lista senão a dos que já foram identificados. — As palavras do homem me cortaram, mas não podia ser, eu não podia ceder, se eu acreditar neles...aí é que minha família estará morta — Como se atreve a dizer isso em tão pouco tempo, vocês não fizeram nada, não procuraram o suficiente, mal começaram a estinguir as chamas e já largaram o caso, e já decidirão que não há sobreviventes, como se quer isso pode ser considerado um caso?
O homem pareceu ficar sério, sua compaixão pareceu ruir depois do que eu disse, sua voz sai agressiva e indignada:
— Não fizemos nada? Como o senhor se atreve, vou lhe contar um segredo, meus homens entraram naquela sucata a um sopro de se partir, mesmo quando lhes foi dito que provavelmente não havia mais sobreviventes, que o melhor que podiam fazer era esperar até poderem usar seus equipamentos para entrar naquela armadilha metálica inútil, eles não se deixarão convencer; pelas vítimas, pelos familiares porque se tratava de vidas humanas e elas são preciosas para nós, senhor, é nosso dever preservar e assegurar sua segurança e resgate em situações extremas. Eles entraram no que sobrou do avião, ávidos para salvar vidas, procuraram com afinco e loucura, com esperança e bravura mas não havia nada além de carvão e cadaveres para ser encontrado...  Eu não posso e nem quero acreditar — Decidiu encerrar as buscas em menos de vinte e quatro horas...
— Três dias! Olhei-o atordoado, Cipri se aproximou — estava tentando te dizer, Esdras, VC ficou quase quatro dias no hospital.
Quase quatro dias. Sinto um vendaval em forma de tontura e quase Caio, mas sou segurado. Estou acreditando, eu... Os perdi...

eles não sofreram...” “ não houve sobreviventes ..” “ morrerão com o impacto, ou sufocados pelas chamas, eles não sofreram” “ vítimas...”

Cipri se esforçou para me ajudar a chegar no carro, ouvi o som de clic, e o cinto precionava meu corpo, Cipri se senta na cadeira do condutor — Meus mais sinceros pêsames, Senhor Lincoln. — Olhei para o portador de más notícias apoiado em minha janela. Ele não parecia falso, só distorcido por de trás das minhas lágrimas...
Tentei ser forte, manter as esperanças, eu juro que tentei. Tentei acreditar que tudo não passava de um pesadelo, que era só chegar em casa q a luz do saguão ainda estaria acesa e os brinquedos espalhados por toda a parte... Mas, não foi assim, me vejo preso em um pesadelo cada vez mais denso... Ashley “ querido”, me sento no chão escuro. Sarah “ papai” Jogo minha maleta para  bem longe. Josh “ te amo pai”. Aperto minhas orelhas com força, não... Por favor, estejam bem. Por favor sejam fortes, eu vou encontrá-los. Eu vou, nem que tenha de morrer para isso.

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