Parte4

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Todos podem enlouquecer

Annabelle

(...)Sempre é possível ficar mais quebrado.

Limpo minhas mãos suadas em minhas calças jeans, meu estômago se contorce e sinto um friozinho inexplicável. Se essa espera não me matar, esses sintomas ansiosos vão. Toda essa demora para verificar meus documentos... Bom, talvez não dê certo, talvez não me deixem vê-la, eu tentei tantas vezes. Fugi três vezes de casa e viagei para cá quando nos mudamos, precisava vê-la, mas quando chegava aqui só conseguia fazer que ligassem para meu pai, e como este nunca atende, chamavam uma assistente social para me levar de volta para casa. Nem minhas lágrimas, nem as súplicas adiantaram de nada, não sei se devo acreditar que ser emancipada resolve.
— Senhorita Pereira — sou eu... Me levantei em um sobressalto, o senhor grisalio ergueu uma sobrancelha, tenho certeza que se lembra de mim, das vezes em que enchi seu saco; em como o enlouqueci e quase o fiz residente permanente desse lugar. Suspiro. O homem se empertiga, concentrome, certo, alguém está conversando com você, Annabelle, atenção. — Segundo esses documentos VC pode ser tratada como maior de idade, e sendo parente da paciente não precisamos de mais nada além de que leia e preencha os formulários/ termos de responsabilidade — me passa um maço de três folhas agrafadas — leia com atenção e assine mostrando que entende do que se trata entrar para ver a pacien...— me olha, e vejo doçura — sua mãe. — Aceno controlando a torrente de emoções avassaladoras, pego os papéis com uma mão e a caneta com a outra, minhas mãos tremem, eu vou vê-la, é só assinar isso aque que vou ver mamãe, minha visão embaça, acho que estou chorando, passo as costas das mãos por meus olhos mas está não fica molhada, não consigo entender nada nesta folha, as letras parecem estar baralhadas numa enorme e maçante sopa branca com conteúdos negros. Agora não! Concentre-se, mas não consigo — tudo bem? — Levanto meu rosto para olhar o homem, ele é o mais próximo de um avô que já tive, sabem, só nos vimos três vezes mas essas foram inesquecíveis, foram o mais perto que já cheguei de mamãe nesses cinco anos.
— Não, estou nervosa, por favor lê pra mim — entrego os papéis para o homem que arregala os olhos, parece tentado a negar mas abro bem meus olhos tentando fazer uma expressão que desperte empatia exacerbada. Ele recebe então os papéis e começa a ler, acino em cada fim de folha, terminamos finalmente, eu muito nervosa para dar um passo, ele com a voz rouca.

Depois de passar pelo “enorme” esquema de segurança e pedir para lerem mais alguns documentos para mim, e assina-los, estou sentada na sala de visitas, segurando a tigela em meu colo, apertando-a tentando acabar com esta tremedeira. Fecho meus olhos, calma coração, ela já vem. Abri meus olhos  a tempo de as ver entrando, a infermeira vestida de calças verde e camisola da mesma cor, um rabo de cavalo na cabeça e uma expressão cansada na face acompanha a mulher vestida de branco, cabelos castanhos quebradiços, sem brilhos com muitas madeixas brancas e acinzentadas nele, sua pele antes levemente morena como a minha agora é pálida e sem vida. Quando a enfermeira para a minha frente quase menti dizendo que não conhecia aquela mulher sem brilho ou vida no olhar, quase mandei ela dar meia volta e ir buscar minha mamãe, belíssima, cheia de vida e paixão por ela. Mas a vida sabe bater, não consegui me mexer, ainda estava assombrada quando a responsável por meu boquiabertismo moveu as mãos atraindo minha atenção para a aberração que segurava, uma boneca...“ tenha bons sonhos, Bonequinha.” Me ergui imediatamente assustando as duas mulheres a minha frente — mamãe...Sussurrei mas está não esboçou nenhuma reação. A enfermeira a ajudou a se sentar e nos deu privacidade, olhei para minha mãe atônita mas logo me sentei chateada... Abanei minha cabeça, não, é só a primeira impressão, estou maior e isso deve estar confundindo-a, mas quando perseber que sou eu ela vai reagir. Olhei para mesa e sorri — trouxe algo para VC. Destampei a tigela mostrando a generosa fatia de bolo de ananás, nosso bolo preferido, para ela. Sua expressão... Ou melhor dizer inespressão, se mantém. Faz cinco anos que não nos vemos e não houve um só dia que eu não pensasse nela, que não tivesse saudades: dos seus beijinhos, cafunés, seu amor, seu afecto e carinho. Não posso crer que esse tempo todo eu passei sozinha, que fui a única a realmente sentir a amargura que é viver sem ela. Sentia meu colo molhar, minhas lágrimas caiam sem controle algum, minha garganta duia, era para ser um dia feliz, de reencontro e abraços mas não tive isso, só frustrações e decepções. — Sou eu mamãe...sussurro quase sem voz, — sua filha... Sua Annabelle inteligente e bela. Então algo pareceu mudar nela, seus olhos desinteressados me miraram — Isso, mãe, isso, VC se lembr... Seus olhos passaram por mim e baixaram na direção de seus braços que se entrelaçavam ao redor da boneca, soltou uma mão e começou a acariciar os cabelos da boneca, nunca senti tanta inveja. Prendi um soluço, papá estava certo...

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