Capítulo 1: - Rubrum -

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A única visão que me cercava era um vasto céu estrelado, enquanto repousava sobre um leito de alfazemas. A meu lado, repousava um livro escarlate de aparência antiga, cujo título intrigante "O Conto de Alguém Sem Nome" parecia ecoar o próprio enigma de minha existência. Contudo, suas páginas continham apenas vazios, uma introdução enigmática e uma censura sombria que submergia palavras nas sombras.

Uma mente racional concluiria que aquele livro era um mero devaneio ficcional, uma invenção sem substância. No entanto, enquanto minha mente vagava, palavras emergiam como raios luminosos, tecendo um conto que parecia nascer de meus próprios pensamentos.

Na contracapa, onde a sinopse deveria residir, apenas uma frase pairava misteriosa: "Pensamentos em enimon enis". Apesar de estranha e alienígena, aquelas palavras emitiam um eco sutilmente familiar, um eco que minha memória eventualmente reconheceria.

Assim, os minutos escorriam, e uma decisão crescia em meu âmago: partir com o livro em mãos, desbravando um mundo que me era estranho, mas que, eventualmente, resguardasse as respostas que ansiava. Sob o calor do nascer do sol, despedi-me da vista majestosa que se descortinava à beira do penhasco.

Minha jornada desenrolava-se por uma estrada de terra, ladeada por campos floridos e árvores que almejavam o céu. Meus passos levaram-me a uma clareira banhada pela luz suave da lua, onde a grama verde-esmeralda abraçava as margens de um lago. Ao centro daquelas águas serenas, uma ilha emergia, coroada por uma árvore de beleza imponente. Seus galhos exibiam flores cerradas, tesouros secretos do outono eterno, cujo brilho rivalizava com os vaga-lumes que dançavam ao redor.

Na beira do lago, meu olhar percorria a superfície líquida, ansioso por avistar um peixe que saciasse minha fome. Porém, as águas foram agitadas por um clarão que emergiu da árvore, um brilho ardente que consumiu minha visão e submergiu-me nas profundezas do inconsciente.

Na penumbra, um cenário surgiu, revelando uma mulher de beleza etérea. Seus cabelos alvos como a neve flutuavam ao vento, e seu vestido luminoso brilhava como o branco mais puro da lua. Sua pele, mais clara que a luz das estrelas, resplandecia como um oceano ilimitado. Cada passo que ela dava rompia o mar que nos cercava, sua presença elevando-me a um estado de encantamento.

Seus dedos acariciaram minha face, e o encontro de nossos olhos desencadeou uma troca silenciosa de emoções. O tempo parecia curvar-se sob a intensidade daquele olhar, um momento congelado pela eternidade. Seu brilho, ao mesmo tempo fugaz e etéreo, prendia-me numa atração magnética. Contudo, quanto mais a encarava, mais seu vestido evocava um carmesim profundo, como sangue derramado, e seu brilho oscilava até apagar-se por completo, desfazendo o transe que ela conjurara. Com um suspiro, retomei a realidade, meus olhos expressando surpresa e anseio.

Uma urgência me impeliu a segurar seu rosto mais uma vez, nossos olhos encontrando-se em um elo poderoso.

"Não tema, pois estarei sempre a seu lado, guiando-o indiretamente. Guarde este momento no seu coração  e no seu ser...", sua voz, doce como um sussurro da brisa, preencheu o espaço entre nós.

"Adeus...", suas palavras cessaram abruptamente, como se a própria linguagem fosse inadequada para expressar seu último suspiro.

Enquanto a mulher desvanecia, suas palavras ecoaram em meu ser, uma promessa gravada em minha alma. A escuridão que me envolvia se dissolveu, e recuperei a consciência, despertando para o mundo que me cercava.

Ao retornar à vigília, deparei-me com uma pequena criatura de olhos dourados: um lobo filhote de duas caudas. Seu pelo parecia uma paleta em tons monocromáticos, quase como um rascunho esperando a adição de cores vibrantes. A íris de seus olhos, contudo, era como ouro puro, faiscando com intensidade.

O Conto de Alguém Sem NomeOnde histórias criam vida. Descubra agora