quatro

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A voz de Johnny Cash ecoava ferozmente pelo pequeno rádio marrom posicionado tradicionalmente em cima da mesinha de vidro.

Ela cantarolava baixinho, balançando a cabeça de um lado para o outro Enquanto parava o punhado de moitas já grandes o suficiente espalhadas pelo jardim externo da casa. As luvas de florzinha já estavam gastas e pequenas para suas mãos, assim como as galochas e o chapéu amarelo ouro lhe cobrindo os olhos. Precisava lembrar de comprar novos materiais de jardinagem. Ao menos alguns que não a fizessem parecer uma criança de sete anos de idade!

Suas mãos tocam em uma das últimas flores avermelhadas no arbusto amarelado, meio caída, e se perguntou como o pai havia deixado isso acontecer. Aquele homem costumava cuidar de suas plantas melhor do que jamais cuidou de seus filhos.

Ela riu baixinho do pensamento.

- Então você fala sozinha...

Beatrice não jogou a tesoura em cima do invasor por pouco, mas xingou alto levando a mão livre ao coração.

- Jesus Cristo!

- Jesus, não. Ava - a outra brinca, rindo de sua própria piada - Foi mal. Não quis assustar. Talvez só um pouquinho...

- Parece que essa é a nossa dinâmica esses dias. Você me assusta, eu xingo e praguejo e então você me difama.

A menor abre os lábios em falso choque, cerrando os olhos pelo sol da tarde sobre si.

- Isso não é totalmente...bem, não sabia que você falava sozinha, de qualquer forma.

Beatrice aponta o indicador coberto pelo anel dourado para ela, arqueando as sobrancelhas.

- Viu? Difamação!

Ava ri e foi quase impossível não acompanhá-la nisso. Não quando sua cabeça caía para trás e seu pescoço ficava tão perigosamente exposto ao beijo do sol dourado. Beatrice conseguia sentir seu cheiro de Colônia, mesmo ali, alguns muitos passos distando as duas, e isso era meio perturbador.

- Não sabia que tinha um jardim aqui atrás. É bem bonito, Beatrice.

Os olhos de Ava caem para a plantação de flores coloridas em um dos canteiros do local. Flores azuis, vermelhas, rosas e todas as outras cores e aromas distintos que pudesse imaginar. Beatrice se colocou de pé ao seu lado, cruzando os braços quando seguiu seu olhar curioso e surpreso.

- Pois é. Geralmente esse é o segredo e maior orgulho do meu pai.

- Isso é grande coisa!

- Eu diria que sim.

Ava a olha.

- Adorei o chapéu - ela cutuca a aba do chapéu com um sorriso divertido.

- Você...

- E as luvas também.

- Eu vou expulsar você daqui.

- Só faltou um avental fofo e você estaria totalmente perfeita para um dia no jardim de infância, Beatrice - Beatrice bufa em resposta, tirando de Ava uma risadinha anasalada - Mas falando sério agora, esse é um bom lugar.

- Costumava alugar ele de vez em quando. Expulsava meu pai e cuidava dos brotinhos ouvindo...

- Johnny Cash - a Sinclair cerra os lábios, fazendo a outra apontar com a cabecinha para o rádio ainda ligado - Eu ouvia no orfanato, em um MP3 talvez mais velho do que essa casa.

Quem ri dessa vez é Beatrice.

- Oh, não deixe minha mãe ouvir você falar isso. Ela tem certeza que cada cômodo desse lugar é abençoado pela varinha da modernidade.

Can i be him ?Onde histórias criam vida. Descubra agora