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A primeira sessão foi lenta e eu senti que avançamos muito. Tive que insistir para que jenna falasse em alguns pontos. Sobre sua família adotiva ela parecia mais aberta em relatar detalhes de como os via. Na visão dela, sua mãe e sua irmã eram frágeis e ela tinha obrigação de defendê-las de qualquer um ou qualquer coisa que parecesse perigosa. Isso ficou claro em eventos específicos como quando ela estrangulou o gato de estimação da família após arranhar sua irmã e rasgar as cortinas compradas por sua mãe.

── Robert chegou bem no momento em que o gato estava começando a revirar os olhos. ── foi dizendo. ── me empediu de matá-lo no último segundo.

Um clássico sinal de psicopatia era torturar pequenos animais na infância.

── houve algum outro animal que você tentou ou conseguiu matar?

── além de lagartixas e insetos? Não. Na época eu não entendia que os animais agiam por instinto e achei que o gato estava sendo malvado. Foi um erro que não se repetiu.

Isso era curioso.
Seria alguma espécie de psicopatia?

── O que aconteceu com o gato depois disso?

── ele ficou alguns dias internado e durante esse tempo morticia ficou muito brava comigo. Ela nem olhava na minha cara, disse que eu era maluca. Eu achei que ela estava sendo estúpida porque eu estava apenas querendo defendê-la.

── o seu pai aplicou algum castigo?

── eu não diria castigo. Disse que eu não iria mais poder sair para brincar com as outras crianças e eu quis agradecê-lo por isso porque odiava ter que suportar os filhos riquinhos extremamente chatos do vizinho. Ficar pulando e correndo pelo quintal me parecia uma idéia selvagem e nojenta.

Mais nojento do que multilar órgãos genitais de homens usando uma foice? Era um tanto quanto irônico ouvir algo assim.

── você achou que seu pai fosse aplicar algum castigo físico?

── toda as vezes que eu fazia algo de errado ele vinha até mim com aquele semblante raivoso e eu me preparava para um tapa, um soco ou a menos um empurrão. Mas ele nunca encostou em mim dessa forma. Robert sempre achou que a melhor forma de educar é através do diálogo, se eu não fosse tão independente mentalmente, ele com certeza teria me educado muito bem de sua forma. ── ela riu com desdém.

── e você não concorda com ele? ── encarei a morena a minha frente.

── sei que se ele tivesse me batido em algum momento eu o temeria o suficiente para não desejar queimá-lo vivo enquanto ele dormia no sofá. ── quando uma pessoa falava do desejo de matar seus pais de um jeito tão natural a conversa se tornava ainda mais sombria.

── provavelmente você desenvolveu um trauma com a figura masculina já que os primeiros registros de memórias da sua vida foram com homens violentos. Por mais doce, amoroso e carinhoso que seu pai adotivo fosse, você ainda tinha um bloqueio, uma raiva dele só por ser um homem.

── é oque dizem, doutora. ── deu uma pausa para enfatizar. ── está no gene deles ser uma pessoa violenta, todo homem acaba sendo. A gente só tem que saber para onde direcionar essa raiva. ── dizia calmamente. ── é fácil ir para cima de alguém que não sabe se defender como algumas mulheres, crianças ou animais. Não sou uma covarde. Sou a predadora dos predadores. ── sorriu de canto, mas seu sorriso não chegou aos olhos.

── ainda sim você consegue filtrar sua raiva. Não ataca todos, mas só aqueles com histórico de violência contra seres vulneráveis.

── com o tempo a gente aprende a se controlar. Só podemos julgar alguém depois que a pessoa faz algo ruim, não antes. Esses homens são inocentados às vezes por terem muito dinheiro. Outros recebem penas ridículas e saem da prisão em poucos meses. Eu apenas dou a eles o que merecem.

── realmente, a justiça ri da cara das mulheres. ── olhei para baixo e suspirei, de modo que jenna notasse que aquilo tinha a ver comigo. ── as pessoas precisam de alguém que faça oque a justiça não faz por elas. ── a olhei de relance.

Ela franziu levemente a testa e aproximou-se de mim, apoiando seus braços na mesa e me encarando de maneira curiosa.

── não vai me dizer que as coisas que fiz foram horríveis também? ── perguntou confusa.

── confesso que seus métodos são chocantes, não é qualquer um que tem estômago para isso. Mas não vou mentir e dizer que acho errado, eu não acho.

── Que tipo de psiquiatra é você? Não está aqui para mudar as minhas idéias? ── Franziu as sobrancelhas.

── não estou aqui para te curar, Ceifadora. Eu vim apenas descobrir o que você é e dar o meu diagnóstico ao juiz. E aí ele vai decidir se você vive ou não.

── Então você não está nem um pouco preocupada com a minha cabeça? ── aquilo parecia diverti-la.

── de uma coisa eu sei. ── pontuei. ── se você estivesse solta, as ruas estariam mais limpas.

── psicologia reversa? ── ergueu sua mão até a minha, mas eu afastei por impulso. ── tem medo de mim?

── não.

── sim, você tem. ── ficou de pé e se esquivou sobre a mesa na minha direção, ficando cara a cara comigo. ── eu sinto o cheiro do seu medo. ── sussurrou e depois respirou fundo, realmente me cheirando.

Mantive o rosto erguido, sem demonstrar nenhum tipo de vulnerabilidade, apesar de sentir uma de minhas pernas tremer agora. Mas não foi exatamente medo que me invadiu, aquela mulher um pouco menor do que eu mas com um olhar obscuro me fez ficar tensa de um jeito diferente.

Eu sentia o poder que vinha de jenna sendo acentuado por sua frieza. por um momento, meu subconsciente me mandou ficar estática, com medo de que se eu me movesse um centímetro sequer ela pudesse me atacar. Era como estar diante de uma predadora, assim como ela havia se denominado.

Ciente de que jenna era apenas uma mulher, por mais perigosa e instável que fosse, desviei meus olhos dela e mantive a compostura. Apesar de ficar ereta e com um semblante sério, ela não se afastou e continuou com seu rosto perto demais, respirando em cima de mim.

── por favor jenna, sente-se. ── pedi sem encara-la.

Ela fez oque eu disse, mantendo seus olhos presos em mim. Era desconfortável tê-la me olhando daquela maneira.

── Falaremos sobre sua vida antes da adoção, quando você tinha quatro anos a sua mãe conheceu o primeiro marido depois da morte de seu pai.

── não quero mais falar sobre isso. guardas, a sessão acabou! ── gritou, batendo na mesa.

── A sessão não acabou! ── gritei junto.

── Doutora, seja profissional. Não pode obrigar seus pacientes a fazerem suas consultas, é falta de ética e profissionalismo. ── ficou de pé. ── se não deixar os guardas me levaram eu vou ficar em silêncio pelo resto da sessão e em todas as outras que tentar fazer futuramente.

Maldita manipuladora.

── mas você vai ter que me prometer que falaremos sobre sua infância. É lá que está a raiz de tudo.

── não faço acordos, Doutora myers. ── falava com uma aparente raiva. ── guardas! ── chamou novamente.

Os três guardas entraram e pararam me encarando, esperando que eu pudesse confirmar que poderiam levá-la. Fiquei alguns longos segundos olhando seriamente para jenna enquanto ela me olhava de volta, segurando uma tensão que podia ser sentida no ambiente.

── podem levá-la. ── falei por fim, aceitando sua condição.

Os guardas foram até ela e começaram a recolocar suas algemas e correntes. Jenna não parou de olhar para mim até sair da sala. Ali eu notei que passaria a ser algo interessante para ela, talvez alguém capaz de ser a sua próxima obsessão. Eu deveria temer isso, tentar reverter a situação, mas precisava usá-la para os meus planos e tê-la obcecada por mim era um ótimo jeito de manipula-lá.

REAPER, jemmaOnde histórias criam vida. Descubra agora