Eu tenho mais medo dele doque de qualquer outro ser humano

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Depois que voltei para Sidney pensei que estava em segurança, porque eu não achava que Kenny G pudesse deixar o lugar ruim, o que agora
percebo que é bobagem, porque Kenny G é extremamente talentoso, cheio de recursos e uma força poderosa a ser considerada.

Tenho dormido no sótão porque é muito quente aqui em cima. Depois que meus pais vão para a cama, subo as escadas, desligo o ventilador, entro em meu velho saco de dormir de inverno, fecho o zíper para que apenas meu rosto fique exposto e, em seguida, suo meus quilos. Sem o ventilador, a temperatura sobe rapidamente, e logo meu saco de dormir fica encharcado de suor e eu sinto que estou ficando magro. Venho fazendo isso há várias noites e nada de estranho ou incomum aconteceu até agora.

Entretanto, hoje à noite, no sótão, estou suando, suando e suando, e, na escuridão, de repente ouço os acordes sensuais de sintetizador. Mantenho os
olhos fechados, murmuro uma única nota e conto até dez em silêncio, sabendo que só estou tendo alucinações, como o Dr. Kim disse que eu poderia ter, mas Kenny me dá um tapa no rosto, e quando abro os olhos lá está ele no sótão dos meus pais, a juba de cabelos encaracolados formando uma auréola ao redor de sua cabeça, como Jesus.

A testa perfeitamente bronzeada, aquele nariz, aquela eterna barba por fazer e o maxilar proeminente. Os três primeiros botões de sua camisa estão abertos, de modo que dá para ver alguns pelos no seu peito.
O Sr. G pode não parecer malvado, mas eu tenho mais medo dele do que de qualquer outro ser humano.

— Como? Como você me encontrou? — pergunto.

Kenny G pisca para mim e depois leva seu brilhante sax soprano aos lábios.
Eu estremeço, mesmo estando encharcado de suor.

— Por favor — imploro. — Me deixe em paz!

Mas ele inspira profundamente e seu sax soprano começa a tocar as notas brilhantes de “Songbird” e logo eu estou de pé no meu saco de dormir, batendo repetidas vezes com o punho de minha mão direita na pequena cicatriz branca acima da minha sobrancelha direita, tentando fazer aquela música parar… Os
quadris de Kenny G estão balançando bem diante de meus olhos… E a cada solavanco no cérebro eu grito: “Pare! Pare! Pare! Pare!”

A extremidade de seu instrumento está bem na minha cara, agredindo-me com jazz suave… Eu sinto o sangue subindo a minha testa… O solo de Kenny G atinge o clímax… Bum, bum, bum, bum…

Então minha mãe e meu pai estão tentando conter meus braços, mas eu continuo gritando:

— Parem de tocar essa música! Apenas parem! Por favor!

Quando minha mãe cai no chão, meu pai me chuta forte na barriga — o que faz Kenny G desaparecer e a música parar —, e no instante em que eu recuo com falta de ar, papai pula no meu peito e me dá um soco no rosto, e de repente minha mãe está tentando tirar papai de cima de mim e eu estou chorando como um bebê, minha mãe está gritando com meu pai, dizendo para ele parar de me bater, e então ele me larga e ela me diz que vai ficar tudo bem, mesmo depois de meu pai ter me dado um soco na cara com toda a força.

— Já chega, Jeanie. Ele vai voltar para o hospital amanhã de manhã, logo que acordar — diz meu pai, e depois desce a escada pisando com força.

Mal consigo pensar, de tão alto que estou chorando e soluçando. Minha mãe senta-se ao meu lado e diz:

— Está tudo bem, chris. Eu estou aqui.

Deito a cabeça no colo dela e choro até dormir enquanto mamãe acaricia meu cabelo.

* * *

Quando abro os olhos, o ventilador está ligado outra vez, o sol atravessa a cortina da janela mais próxima, e mamãe ainda está acariciando meu cabelo.

— Dormiu bem? — pergunta, forçando um sorriso. Seus olhos estão vermelhos e as faces riscadas de lágrimas.

Por um segundo eu me sinto bem, deitado ao lado da minha mãe, o peso de sua mãozinha pequena sobre minha cabeça, a voz suave, persistente, no meu ouvido, mas logo a lembrança do que aconteceu na noite passada me obriga a me sentar e, em seguida, meu coração está batendo forte e uma onda de pavor atravessa meus membros.

— Não me mande de volta para o lugar ruim. Me desculpe. Eu sinto muito. Por favor — peço, implorando com tudo que tenho, porque esse é o tanto que odeio o lugar ruim e o pessimista do Dr. Timbers.

— Você vai ficar aqui mesmo, conosco — diz mamãe olhando-me nos olhos, como faz quando está dizendo a verdade e, em seguida, me dá um beijo na bochecha.

Descemos para a cozinha, onde ela prepara para mim ovos mexidos com queijo e tomate, e eu engulo de verdade todas as minhas pílulas, porque sinto que devo isso à minha mãe depois de tê-la feito cair no chão e de ter deixado meu pai furioso.

Fico chocado quando olho para o relógio e vejo que já são onze horas da manhã, de modo que começo a malhar assim que meu prato fica vazio, dobrando o tempo de todos os exercícios apenas para manter minha série.

The good side of life - HyunchanOnde histórias criam vida. Descubra agora