III.

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VANCE HOPPER's P.O.V

    Solto-a. Mary não hesita em me empurrar para longe. Minhas costas se chocam contra a parede e eu imediatamente a sinto doer. Levo a mão até minha costela, levantando meu olhar até a garota. Esse empurrão apenas me provou que ela não estava com medo.
    Seu punho está fechado e eu sinto que estou prestes a levar um soco.
    — Vai se foder, Vance Hopper. — Ela vocifera, entrando no banheiro.
    Quando a porta se fecha, tusso algumas vezes, começando a andar para longe dali.
    Não consigo acreditar que ela se fez de desentendida. Eu sei o que ela fez. Não sei se fui claro o suficiente.
    Todos que me falaram sobre ela afirmaram que ela socou aquele garoto apenas por ele ser homossexual. Não consigo entender o porquê de ela ter feito aquilo.
    Simplesmente não consigo entender.
    Eu não exijo que ela apoie, apenas que respeite. Não é como se ele fosse um alienígena.
    Endireito minha postura, fingindo que nada aconteceu. Fingindo que não senti meu sangue queimar em minhas veias.
    Consigo imaginar a ruiva socando aquele garoto no meio da escola. Irrito-me com meus próprios pensamentos, então dou um tapa em minha própria cabeça. Não ligo se ela é mulher, aquilo é tão homofóbico.
    Eu sei que esse assunto é um tabu, mas isso não significa que seja errado.
    Sinto meu ombro ser atingido por alguém, então viro-me rapidamente. Consigo identificá-lo por seu casaco do time de futebol.
    — Olha por onde anda, Davis! — Vocifero, a voz rouca. Ele não diz nada. É melhor assim, muito melhor.
    Tiro o elástico do meu cabelo, o colocando em meu pulso e arrumando meu cabelo novamente, puxando as mechas para cima e para trás.
    Caminho até minha mesa e quando chego lá, puxo minha calca para cima antes de me sentar.
    — Achávamos que você tinha sido engolido pela privada. — Meu amigo comenta, comendo uma batata frita.
    — Sim, você demorou demais, o que estava fazendo. — James questiona.
    Rio ironicamente.
    — Eu não preciso te falar o que eu estava no banheiro. — Pego uma batata frita de Ryan, levando um tapa na mão. Mostro meu dedo do meio.
    — Sei, sei.
    Me recosto no banco, apoiando uma mão sobre a mesa e outra em minha coxa.
    Continuamos conversando até que sinto a necessidade de olhar para trás. Mary sai do corredor escuro acompanhada de Jack. Suas mãos estão no ombro da ruiva. Ele aponta para a mesa dela e a dele enquanto fala algo. Ela assente com a cabeça, sorrindo.
    Seu olhar atravessa o lugar até encontrar o meu. Estou olhando por cima de meu ombro, segurando meu braço enquanto minhas unhas quase perfuram minha pele. Seu sorriso se desfaz e seu olhar, antes doce, se torna odioso. A raiva em seu rosto é capaz de prender minha respiração enquanto ela passa.
    Jack não parece notar que a garota ao seu lado está prestes a queimar de raiva.
    Assim que o seu olhar se afasta do meu, ela se vira para Jack, um sorriso enorme em seu rosto. De repente, aquela bondade e animação estão de volta.
    — Falsa do caralho! — Murmuro, jogando uma batata frita de volta no saco e limpando minhas mãos em um guardanapo.
    Ela caminha até sua mesa, se afastando do garoto. Mary puxa sua amiga pelo braço, sussurrando algo. Tenho certeza de que é sobre mim e o que eu fiz.
    — Quem? — Ryan questiona, começando a analisar cada pessoa do estabelecimento.
    — Maryann Blake. — Respondo, enojado.
    — Ah. — James murmura, revirando os olhos.
    — Eu a confrontei no corredor do banheiro. — Revelo, indiferente.
    — O quê? — Ambos dizem uníssono, mais alto do que deveriam.
    — Eu a confrontei no corredor do banheiro. — Repito.
    — Por que fez isso? — James se aproxima, incrédulo.
    — Porque ela é...
    — Homofóbica. — Ryan me interrompe. — Tá, tá, a gente sabe, mas confrontar ela não vai mudar nada.
    — E daí? — Rebati, tirando uma mecha de cabelo dos meus olhos.
    — Vance, toma cuidado. Se você encostar naquela garota, ela pode distorcer a história. Você vai sair como errado e todo mundo na escola vai ficar sabendo. — James diz, apontando para mim e para Mary repetidas vezes.
    — Eu não ligo.
    — Sabemos que não, mas seus pais ligam. Sua mãe vai enlouquecer se souber que você está aprontando de novo. — Ryan rebate.
    — Para de falar comigo como se eu tivesse 10 anos! — Vocifero, tentando manter minha voz em um tom baixo.
    Ryan larga seu refrigerante na mesa e se joga para trás, como se estivesse desistindo de falar sobre o assunto.
    James muda de assunto, falando sobre novos jogos que chegaram no fliperama. Suas palavras nem surgem efeitos em mim porque não consigo prestar atenção nelas. Minha mente está focada em Mary.
    Tento entender como ela pode parecer tão meiga por fora e totalmente podre por dentro. Tento entender como ela pode ter tantos amigos. Eles provavelmente pensam como ela.
    Preciso me segurar para manter-me no meu lugar, sem ir até ela.
    Os amigos de Jack e o mesmo arrastaram algumas cadeiras e se sentaram perto dos amigos de Mary.
    Ela sorri de novo e de novo. Qualquer movimento que ela faz me faz querer brigar com ela. Sua existência me irrita.
    Mary pergunta algo para Jack. Presumo ser: que horas são? Porque ele olha para seu relógio, respondendo sua pergunta. Os olhos da garota se arregalam, ela se levanta e começa a chamar seus amigos para que eles fossem embora.
    Jack começa a procurar por algo e quando ele acha, noto ser uma caneta. Ele a usa para escrever algo em um guardanapo. Depois, o entrega para Mary. Ele diz algo e ela responde sorrindo.
    Tiro a tampa da minha garrafinha de água, a levando até minha boca. Preciso beber um grande gole de água para não vomitar.

    Coloco meu fone, deitando-me em minha cama. Feeling Good — Nina Simone — toca em meus ouvidos. Sim, é um novo amanhecer. Sim, é um novo dia. É uma nova vida para mim, mas eu não me sinto bem. Sinto-me vazio.
    Esse sentimento não é novo. Na verdade, é muito velho. É como se eu não comesse há anos mas mesmo assim permanecesse sem fome. É como se eu estivesse me afogando sem nem precisar respirar. É como se eu estivesse morrendo sem nunca ter vivido.
    Com o tempo, me acostumei com isso. Acho que de certo modo, sinto conforto nesse sentimento. Meus pais cuidam melhor de mim quando eu estou doente, mal. De certo modo, eu sinto conforto em estar mal.
    Eles não cuidam tanto de mim. Tratam-me como se eu tivesse uns 20 anos. A todo momento sinto como se eles só estivessem cuidando de mim por eu ser menor de idade. Sinto que assim que eu completar 18 anos, me colocarão para fora de casa.
    Às vezes eu sinto que só estou ocupando espaço nessa grande casa que a cada momento, se torna menor.
    Há esse peso sobre mim, mas eu nunca falo sobre nisso. Não falo nem comigo mesmo.
    Tenho uma teoria de que estamos todos vivendo a mesma vida, nomes repetidos e aparências diferentes.
    Como quando você está estralando seus dedos porém 2 deles não estralam de jeito nenhum.
    Como quando você está andando pela casa sem chinelo e o chão está sujo, então você limpa seus pés na parte lateral das panturrilhas e depois começa a andar na ponta dos pés.
    Ou quando você perde a parte comprida da coberta e passa vários minutos tentando achá-la para depois dormir encolhido.
    Paint It, Black — The Rolling Stones — começa a tocar quando viro-me de lado.
    Respiro fundo várias vezes, parece que o ar está acabando porque a cada respiração, eu sinto puxar menos dele.
    Murmuro a letra da música conforme Mick Jagger a canta, o acompanhando. Bato meu indicador em meu braço no ritmo.
    Puxo minha calça moletom para cima, desenhando o xadrez com meus dedos.
    Analiso minha roupa, passando a mão por minha camisa branca. No escuro, ela se tornara cinza, só revelando sua verdadeira cor quando é atingida pela fresta de luz que passa entre cortinas.
    Levo minha mão até o coque atrás de minha cabeça. Ele está firme lá há mais de 3 horas. Estou com preguiça de desfazê-lo.
    Encaro a parede à minha frente, não há nada nela. Está vazia. Estico meu braço e a toco com a palma da mão. Está fria.
    Por um momento, desejo me tornar essa parede. Já somos bem parecidos.
    Brancos.
    Vazios.
    Frios.
    Se eu fosse uma parede, não precisaria falar, comer, nem respirar. Apenas observaria todos, como já faço. Seria como se eu estivesse morto.
    Se eu estivesse morto, então não precisaria fazer nada.
   

    Desgrudo a mão da parede, deixando meu braço esticado sobre o colchão.
    Bohemian Rhapsody — Queen — toca em meus ouvidos quando a porta se abre. Uma fresta de luz se estende pelo chão e ilumina minhas costas. Fico atentado a me virar, mas não o faço.
    — Vance? — Uma voz feminina chama. Presumo ser minha mãe.
    Fecho meus olhos, respirando fundo.
    — Filho, está acordado? — Ela pergunta. O silêncio reina em meu quarto sem a minha voz para cortá-lo ao meio.
    Ela suspira, fechando a porta. Abro meus olhos.
    — Sim, estou acordado. — Murmuro, virando-me e encarando o teto.
    Tento dormir, mas não consigo. Aquele sentimento aparece de novo, aquele vazio. De repente, sinto estar afundando na cama.
    Fecho meus olhos com força.
    Can't Help Falling In Love — Elvis Presley — toca em meus ouvidos. Sinto-me leve ao ouvir a voz de Elvis. Tão leve quanto uma pena. Presto atenção em cada frase da música.
    Descanso minhas mãos sobre o peito e barriga.

    De repente, estou em uma praia.
    O mar é azul, porém acinzentado. Bonito demais para ser real.
    O céu, antes amarelado já se tornara laranja.
    Ouço uma palavra sair de minha boca. Um nome. Minha voz está distorcida, baixíssima, impossível de ouvir e decifrar o que está dizendo.
    Há uma garota à minha frente. Os cabelos soltos, mas arrumados. Ela anda até o mar, deixando-me para trás. Posso ver seu braço se arrepiar por causa da temperatura da água.
    A acompanho, entrando no mar. A água está gelada, já passando de meus joelhos.
    Continuo dando passos para perto dela. Quando a água começa a chegar perto de meus ombros, me aproximo mais. Minha respiração está desregulada, atrapalhada pelo frio.
    Encosto minha testa na parte traseira de sua cabeça, suspirando em sua nuca.
    Abaixo-me e coloco meus braços ao redor de sua cintura, e puxando para perto.
    Ela coloca sua cabeça em meu ombro e eu apoio meu queixo no seu.
    Não vejo seu rosto, mas sei que ela está sorrindo.
    Não sei quem ela é, mas sei que ela me ama. Simplesmente não sei o porquê.
    Quando ela está prestes a se virar para mim, Help! — Os Beatles — começa a tocar, me assustando. Sento-me na cama. A fresta de luz agora está focada em meus olhos. Está amanhecendo.
    Eu gostaria de conhecer alguém por quem eu não conseguiria evitar me apaixonar, mas sinto que isso está longe de acontecer.

𝐁𝐄𝐋𝐈𝐄𝐕𝐄 𝐔𝐒: Before.Onde histórias criam vida. Descubra agora