𝖫𝖾𝗑𝗂𝖾 𝖦𝗋𝖾𝗒 | 𝖦𝗋𝖾𝗒'𝗌 𝖠𝗇𝖺𝗍𝗈𝗆𝗒

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Era bem improvável que meu corpo reconhecesse a diferença entre a sensação de morrer e a de perder o controle. E a explicação era bem simples: ele realmente não sabia. Com treze anos, fui diagnosticada com Transtorno Explosivo Intermitente após passar minha infância inteira sendo uma criança descontrolada e "fora do normal", como os adultos ao meu redor costumavam me chamar. Com quatorze anos, os episódios começaram a ser mais frequentes, as crises eram mais fracas, mas a raiva descontrolada ainda estava dentro de mim, esperando a hora certa para explodir.

Com quinze anos, eu não tinha mais amigos. As pessoas começaram a ter medo daquela parte que existia em mim. Começaram a ter medo de mim. E eu não podia fazer nada. Nunca pensei que fosse passar dos dezesseis. Contudo, com dezessete, meus pais me forçaram a entrar na terapia. Demorou meses até eu aprender a me controlar, fazendo tratamento com remédios.

Aos dezoito anos, conheci a única pessoa que nunca teve receio de se aproximar ou de querer me conhecer de verdade. Lembro de quando fiz dupla com ela em um trabalho de anatomia, em Harvard. Ela era a pessoa mais inteligente que eu conheci em toda a minha vida. Ela me ajudava a entender todas as matérias complicadas. Me ajudava a estudar. Me ajudava a lembrar e memorizar, assim como ela memorizava com a memória fotográfica. Lembro de quando pedi para que ela me dissesse todos os elementos da tabela periódica, e ela contou do primeiro ao último sem ao menos gaguejar. Talvez tenha sido naquele dia que me apaixonei por ela. Talvez tenha sido quando ela segurou minha mão nos momentos que eu mais me sentia nervosa. Talvez tenha sido no dia em que ela me beijou pela primeira vez. Ou, talvez tenha sido no dia em que ela cuidou dos meus machucados e ficou comigo depois que tive um episódio.

E, agora, aos vinte e oito anos, eu não sabia mais nada sobre o amor. Porque ela escolheu a medicina acima de qualquer coisa. E eu escolhi respeitar o que ela decidiu ser melhor, mesmo que aquilo tenha me custado noites e noites em crises infinitas. Mesmo que tenha me custado machucados que se transformaram em cicatrizes. Ainda era melhor do que esperar até tarde da noite ela voltar de um plantão, mesmo sem saber se ela voltaria ou ficaria na casa de Meredith, com a desculpa de ser mais próxima do Seattle Grace.

Duas semanas atrás, eu recebi a ligação que fez minha vida parar por um instante. Minha mãe tentou esconder durante semanas que meu pai estava internado, tratando do câncer de pulmão. Ela sabia o que aconteceria se me contasse cedo demais, e eu não a culpo por ter escondido. Mas eles apenas descobriram quando o tumor já tinha se espalhado, e as chances de ele sobreviver eram mínimas. Só tive coragem de visitar ele uma única vez antes de saber que ele havia partido. E, durante os primeiros dias, tudo que eu sentia era um grande e vasto nada. A dor do luto ainda não havia me consumido, mas eu sabia que ela iria aparecer em qualquer momento do meu dia, para me lembrar de que ela ainda estava comigo, apenas não estava na hora.

E foi exatamente o que aconteceu. Na madrugada anterior, eu tive uma das maiores crises da minha vida. Minha mente ficou completamente em branco. Eu não enxergava nada. Só me lembro de quando tudo acabou. Copos e pratos quebrados, quadros antes pendurados perfeitamente na parede, agora estavam estilhaçados no chão. E eu, sentada em meio ao caos que havia feito, chorava feito um bebê descontrolado procurando pelo carinho e conforto de uma pessoa que nunca viria.

Na manhã seguinte, eu entrei no Seattle Grace, tentando passar despercebida até o banheiro. Minha única sorte era que o jaleco cobria qualquer tipo de hematoma que havia em meus braços e costas. O problema era o vidro de um dos quadros que passou raspando pelo ossinho acima da minha bochecha. Eu tinha colocado um curativo superficial antes de sair de casa, mas agora sentia a região ao redor mais dolorida que o normal e o sangue que escorria endurecendo no curativo.

No momento em que virei no corredor do banheiro, senti meu ombro colidindo com o de alguém. Minha mão automaticamente segurou o lugar em que esbarrei, tentando suprimir um gemido de dor enquanto eu me virava para ajudar a recolher os papéis que haviam se espalhado pelo chão. Tentei não olhar para cima para a pessoa não notar o meu estado e começar a fazer perguntas.

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