Não acredito que estou fazendo isso, Angelina pensou entre chateada e temerosa à medida que tentava fazer a poltrona ficar um pouco mais reclinada para que pudesse ter o máximo de descanso possível durante as longas horas de viagem rumo às Américas. O que lhe era praticamente impossível visto que, além de estar dentro de uma grande aeronave, sobrevoando países, cidades e até mesmo um oceano (!) que lhe dava a impressão de ser infinito, sua mente não desligava um instante sequer da verdade de que estava indo para atuar como nunca antes. Estava indo viver uma mentira que ela ainda não sabia em totalidade, — francamente, nem em seus sonhos mais loucos, ela poderia imaginar o que estaria por vir —, mas que lhe traria consequências para o resto dos dias de sua vida, até então um tanto comum e normal. Por que tudo tinha que mudar assim, tão rapidamente? Ela iria se perguntar inúmeras e perturbadoras vezes depois. Mas naquele momento, em algum cantinho de seu coração, ela sabia, tudo que um dia conquistara em sua rotina segura estava sendo deixado para trás, talvez para sempre. Depois daquela curta, todavia importante temporada nos EUA, ela nunca mais seria a mesma.
Se fosse em outra ocasião, ela jamais sairia de sua própria bolha, afinal, por que arriscar algo que até então estava dando certo? Pela primeira vez em anos, se sentia feliz com tudo que conquistara, é claro que queria mais, porém, não precisava ser tão depressa, e nem tão arriscado. Temerosa, olhou incerta a pequena mostra da imensidão de mundo que podia ser vislumbrado de cima, pela diminuta janela do avião. Havia insistentes alertas em sua cabeça, dizendo que aquilo tudo era muito perigoso. Mas a companhia valia a pena. Sorriu minimamente ao recordar-se que estava indo ajudar o amigo. Aliás, melhor amigo. Era um consolo que, se alguma coisa, mesmo tudo desse errado, nenhum deles estaria sozinho.
Em contrapartida, ao seu lado esquerdo, Lucas Philip Schroeder ou simplesmente Luke, como era conhecido e tratado com carinho, estava distraído, folheando uma revista de turismo. Ele aparentava uma calma que não era de todo genuína, Angelina sabia. Porque ela mesma estava fingindo tal despreocupação fazia horas, quando na verdade, tinha os nervos à flor da pele como jamais tivera. Ela mal conseguia comer! E conciliar o sono, então... missão impossível! Tudo que tinha conseguido obter, mesmo quando estava em solo firme, tinham sido curtos cochilos que serviram apenas para deixá-la mais cansada, mal humorada e tensa. Por sorte, não era do tipo que fazia chiliques. Era motivo de orgulho próprio conseguir se controlar tão bem. Sinceramente, ainda que tivesse que despender de muito esforço para conseguir se controlar, ela o faria, visto que, o rapaz ao seu lado merecia ter um pouco de paz e apoio, e não alguém de quem ele precisasse cuidar. Na verdade, ele era quem precisava e merecia ser cuidado da melhor forma.
Luke era o melhor amigo de Angelina desde os primeiros dias de aulas na faculdade de História da Arte, que já contava três anos. E, agora, depois de quase quatro anos, o rapaz estava voltando para casa. Ele nunca quisera dizer à amiga exatamente o motivo de seu afastamento do lar por tanto tempo, entretanto, ela suspeitava que houvesse alguma coisa a ver com o fato de Luke ser assumidamente homossexual.
Talvez ele tivesse sido expulso de casa, Angelina pensara em algumas ocasiões, momentos que a faziam tremer na base com apenas a ideia de esta ser a real motivação do amigo afastar-se da própria família. O quão magoado ele deve ter ficado...
Família era um assunto demasiadamente delicado, com certeza, às vezes, refletindo sobre sua própria situação com os parentes biológicos, Angelina chegava a sentir dores físicas provocadas pela verdade de que, em seus vinte e três anos de idade, nunca tivesse tido de fato uma família, pelo menos não como seu amigo possuía: pai, mãe, irmão mais velho, toda uma estrutura de cuidado, respeito e amor. No máximo, ela tinha duas tias paternas que se dividiram na função de educá-la, desde que seus pais haviam falecido num acidente de carro quando ela ainda era uma recém-nascida. Quantas vezes ela não pensara que talvez tivesse sido melhor ter sido entregue aos cuidados de funcionários de abrigos para menores órfãos e depois entregue a uma família adotiva. Quem sabe assim, seu destino pudesse ter sido melhor...
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Décimo Mandamento
ChickLitLiam Schroeder passou exatos 33 anos de sua vida longe de até mesmo pensar em desobedecer ao mandamento que está bem claro nas escrituras "não cobiçarás a mulher do próximo", no entanto, desde a primeira vez que pôs o olhar em Angelina Blagorodna, o...