Turbulência

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Ainda em Londres, Inglaterra.

Muitas pessoas, ao organizar uma viagem, têm preocupações bastante pertinentes sobre o que levar na mala. Pode ser um grande casaco para um lugar frio, pode ser uma fina camisa de linho para uma região mais calorosa. Essas eram escolhas sensatas a se fazer. Porém, quando se tem mais de seis mil anos, é natural que seu gosto para roupas já seja extremamente específico e limitado.

- Eu não tenho roupas! - A dura realidade caiu sobre Aziraphale, quando o anjo olhou para seu guarda-roupa antigo de madeira. Sua fala, entretanto, estava equivocada. Aziraphale tinha roupas. O que ele não tinha era uma variação.

- Sobretudo, suéter, suéter, lã, casaco, colete... Uh... - Aquela era sua peça rara. Um casaco de 1341, produzido em um tear e tingido de azul, uma cor muito presente na realeza. Estava muito bem protegido graças a alguns pequenos milagres feitos por Crowley, visto que Aziraphale se recusava a interferir no processo de envelhecimento de suas roupas. - Se você não fosse tão chamativo para os dias de hoje...

Toc, toc, toc!

O anjo direcionou seus olhos para a porta do quarto, e Crowley estava lá, segurando apenas uma bolsa no ombro.

- E aí? Tudo pronto pra farra?

Aziraphale soltou um suspiro de frustração, então sentou-se na beirada da cama.

- Eu devia ter aproveitado a coleção de verão dos anos 70 - resmungou. - O que você está levando?

- Nada demais. Eu não faço ideia de como eles se vestem. Podemos comprar roupas lá.

- Não está levando roupas? - perguntou Aziraphale, um tanto surpreso. - Deixe-me ver!

- Não! - Crowley esticou o braço para manter uma distância segura. - Pode ter certeza, você não vai gostar do que tem aqui. Tem muita coisa demoníaca.

- Está bem... Mas você é suspeito!

- E você é um esquisito. Sério que não tem nem uma regata? - O demônio adentrou o quarto para procurar por roupas.

- Em todos os meus séculos de existência terrena, eu nunca deixei meus braços à mostra! - assegurou Aziraphale.

A expressão de Crowley era de profunda aversão a qualquer coisa que pudesse ser considerada puritana.

- É mesmo? E o que vai receber com isso, uma canonização?

- Não seja tolo! - Aziraphale fechou a cara. - Eu só não gosto. Você sabe. Meus braços são...

- Peludinhos? - pontuou Crowley.

- Você, mais do que ninguém, sabe que não estou em forma - bufou o anjo, acanhado. - E eu ganhei peso durante o lockdown.

- Nah, isso é coisa da sua cabeça. Ninguém olha pra você e pensa "olha lá, um pote de biscoitos, vamos rir da cara dele!" - Crowley apontou para Aziraphale com as mãos, tentando aliviar a situação. - Eles só pensam "olha só... um pote de biscoitos fofinho e gentil". Quer dizer, eu acho, não sei o que eles pensam, mas deve ser algo assim.

- Pareço um pote de biscoitos?

- Deve parecer. Daqueles de cerâmica antigos com estampa de florzinha que tem em casa de vó. Não sei - o demônio deu de ombros, olhando para algum ponto aleatório da parede.

- Isso é muito gentil, Crowley - disse Aziraphale, sorrindo.

O anjo foi até seu guarda-roupa novamente e tirou algumas camisas de linho do cabide.

O casal inefável de fériasOnde histórias criam vida. Descubra agora