A Tempestade

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Aviso:  Cenas de sexo;
Gatilhos : insinuação tortura, abuso, luto

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"Não posso adiar este abraço,
que é uma arma de dois gumes;
amor e ódio

Não posso adiar,
ainda que a noite pese séculos sobre as costas,
e a aurora indecisa demore;
não posso adiar para outro século a minha vida,
nem o meu amor,
nem o meu grito de libertação.

Não posso adiar o coração"

                 (Antonio Luis Rosa)

      Julia afastou-se dos braços de Jake bruscamente.  Encarava, após tanto tempo, o rosto limpo e os olhos azuis e penetrantes  de seu amor do passado, que contrastava com as sobrancelhas e os  cabelos cor de noite. Ele continuava tão bonito quanto se lembrava.   O coração dela batia de forma descontrolada. Todas as emoções lutavam em seu peito, como um cataclismo que inundava ilhas e devastava habitações.  As mais difusas e contraditórias sensações conflitavam entre si, deixando-a atordoada e com um gosto amargo nos lábios. Sentiu o seu corpo tremer e a cabeça girar.  Lívida, chegou a duvidar de sua sanidade.   

      — Jake! — ela repetiu, com a voz falhando. Reunia toda a sua força para falar quando, na verdade, o seu ímpeto era abandonar-se nos braços dele. E por muito pouco Julia não cedeu, afinal sonhara inesgotavelmente revê-lo. Dia após dia. Anos após ano. Quantas noites sombrias e intermináveis não passara chorando e buscando por um sinal de vida de seu soldado desertor?  Para fugir da imensurável dor, ela, incontáveis vezes, imaginou estar com Jake e o filhinho em um lugar sereno e pacífico, embalando o bebê no colo.  Essa espécie de refúgio mental foi importante a fim de não sucumbir ao luto por eles, especialmente nos momentos mais desesperadores. Foi assim que enfrentara todo o período da guerra e opressão.

      Ante o silêncio de Jake, Julia reiterou o chamado, em tom de exasperação. As sobrancelhas ergueram-se, inquisidoras. Precisava de uma justificativa! Clamava por respostas!  Ele devia uma explicação!  Por que havia omitido os fatos quando ela pediu para descobrir o túmulo do desertor? Por que o hacker se manteve tão frio naquele dia?  Por que estava tão calado? Tais indagações causavam-lhe uma desconcertante angústia que a sufocava.  Até que, incomodada com a suposta impassibilidade dele, explodiu.

      — Merda, Jake, por quê?! Você me abandonou?

      Ensimesmado, Jake passou as mãos pelo cabelo, com uma expressão cansada e olhar turvado. Seu maior desejo era colocar uma pedra no passado.  Lutava impetuosamente contra o grande amor que sempre sentiu por ela.  Julia fora a única pessoa que teve a capacidade de deixá-lo perdido.  A mente racional do hacker procurava as palavras para não a magoar ainda mais. Entretanto, sabia que era impossível.  Percebeu as lágrimas chegarem, mas as reteve. Não podia e nem queria chorar.  Ao longo de sua jornada, havia se permitido chorar pouquíssimas vezes. Também pudera, desde a sua concepção, a vida jamais lhe tinha sido gentil.  Respirou fundo, evitando olhar para a cientista, pelo menos por instantes.  Ela, por sinal, encarava-o inexoravelmente, exigindo respostas.  

      O hacker suspirou fracamente, fitando, enfim, o olhar profundo naqueles olhos magoados, marejados e perplexos. Refreou o impulso de abraçá-la outra vez.

     — Abandonar você!? Não...Aqueles dias foram, sem dúvida, os mais incríveis de toda a minha vida ... Eu contava as horas para que você entrasse naquele cinzento quarto de hospital, Julia.  — Jake falava de forma calma e pausada, rememorando as cenas do passado, ainda tão vívidas em sua mente. — Pela primeira vez, tive esperança e ousei traçar planos... Acreditei que pudéssemos ser felizes juntos.

A Resistência - DuskwoodOnde histórias criam vida. Descubra agora