O Ramo de Lavanda

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"Há sempre um sonho em vigília;

Um desejo pendente; uma fome insatisfeita

Um coração esplêndido,

Uma mão estendida; uma mão aberta

Olhos atentos.

Uma vida para compartilhar".

(Paul Eluard)

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      No dia seguinte, a temperatura caiu bruscamente, anunciando que o inverno seria rigoroso. Esperava-se a primeira neve no decorrer do dia. Julia, após levar Noah, bastante agasalhado para a escola, foi à garagem dos Rogers. Sabia que Richy estaria ali, distraindo-se com o conserto dos carros antigos. Era um ambiente sem vigilância, portanto, os dois poderiam conversar livremente.

      O vento soprava forte, quando Julia desceu do veículo, carregando as duas cartas. Notava que as mãos tremiam. Estava ansiosa por finalmente revelar a verdade ao seu irmão — elo do seu passado — e abraçá-lo. Enquanto caminhava em direção ao imóvel, as lágrimas fluíam silenciosas pelo rosto dela. Sentia o peito ranger ao pensar na morte trágica dos seus amados pais, além de serem privados de conviver com eles —uma situação inimaginável e profundamente injusta —, ao mesmo tempo em que era tomada um imenso orgulho pela história de sua família, que lutou até o fim pela liberdade e justiça.

      Emotiva, chegou a abraçar novamente envelopes amarelados. Eram o legado do seu pai, que se despediu dela tecendo frases de esperança, apesar de saber que estava à beira da morte. As palavras carinhosas e emocionadas daquele homem, que pensou na família nos últimos instantes, reverberaram na mente de Julia, que citou em voz alta.

      — "Todo fardo e todas as dores são passageiras. Confie em você, minha querida filha, não tenha medo da vida".

      Em frente ao portão da garagem, Julia também pensou em sua mãe, Katherine. Assim como ela, a corajosa mulher sofrera a pior das angústias: a separação dos filhos. Imaginou na dor avassaladora, nas lágrimas vertidas quando seus bebês foram retirados de seus braços acalentadores, nas saudades que sentiu da sua família no instante em que era levada para a morte.

      "Ah mamãe, eu vou fazer justiça por vocês. Eu prometo!"

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      Richy abriu a porta, com o sorriso aberto. Surpreendeu-se quando Julia, sem falar uma palavra, simplesmente jogou-se em seus braços e chorou compulsivamente.

      — Julia...Julia! O que foi? — ele perguntou assustado com a profunda comoção de Julia. Uma série de pensamentos se infiltraram em sua mente ansiosa. — Aconteceu alguma coisa? O Haile machucou você outra vez? Vamos, me diga...você está me assustando!

      Julia abriu a boca, entretanto, por mais que se esforçasse, não conseguia emitir som. Sensibilizada pelo redemoinho de emoções que tomava conta de seu ser, com o rosto no ombro de Richy, ela vislumbrou por um brevíssimo instante sua rica história com ele. Flashes dos melhores e piores momentos ao lado do irmão — as brincadeiras de crianças, os risos, as confidências de adolescentes, das conversas infindáveis, as brigas — martelavam na cabeça da cientista. Sob as batidas do coração que essas lembranças produziam, as lágrimas continuavam a rolar em seu rosto. Mas, acima de tudo, também chorava pelo que foi ceifado: os dois reunidos com os pais.

      Richy, desconcertado, tentava acalmá-la. Conduziu-a para os fundos da garagem e a sentou em um banco.

      — E então...já pode me dizer o que está ocorrendo? — ele fez uma nova tentativa. — Não vai me dizer que está grávida de novo — com a sobrancelha levantada, Richy perguntou. — Está grávida?

A Resistência - DuskwoodOnde histórias criam vida. Descubra agora