Eterna Manhã de Primavera

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Como o inverno, tornou-se minha ausência
De ti, o prazer com que passou o ano!
Que frio senti, que dias negros eu vi!
A estiagem de dezembro espalhou-se por toda a parte! ( Shakespeare - Soneto 97)

      Após a saída de Alan, Julia aflita, andava de um lugar para o outro, mordendo os lábios. A preocupação estava refletida claramente em seu semblante. Embora o corpo encontrava-se exaurido da sobrecarga emocional e da noite de amor, procurava focar na segurança de Jake, que corria um imenso risco ao invadir o prédio.

      A cientista sentia o nó da garganta aumentar e os olhos marejarem. "Por que foi entregar o diário?" Lamentou-se, tensa. Jake soube da existência de Noah da pior forma, sem nenhum preparo. Afinal, ele não havia lido uma mera descrição de uma viagem, mas se defrontado com a morte de um filho. A mágoa, pelo hacker não a ter procurado nos anos posteriores à fuga de Maydol, fez com que ela agisse sem pensar nas consequências, cometendo um erro gravíssimo e talvez causando um mal irreparável a ele. Não deveria ter ruminado aquela raiva. Conhecia a integridade e o imenso senso de responsabilidade de Jake como ninguém, portanto, não era uma surpresa o fato de ele ter abandonado a racionalidade e o costumeiro planejamento para encontrá-la em plena luz do dia. O seu doce soldado queria consolá-la e entender o que aconteceu.

      "Burra, você vai perdê-lo de novo!"

        Mesmo sabendo que Alan era tio de Jake, Julia permanecia preocupada. O agente do SFS ainda lhe provocava uma péssima impressão. Não gostava da forma como ele a olhava — ora benevolente; ora irônico, ora parecendo com vontade de desnudá-la— além do ar de superioridade que camuflava com uma camada de polidez. Sem contar aquele ego inflado do tamanho de Júpiter, capaz de competir —e vencer com sobra, diga-se de passagem — a vaidade de toda Hollywood. Tão diferente do sobrinho, cujos olhos eram gentis e transparentes desde garoto. O hacker era igualmente polido, mas ao contrário de Alan, importava-se sinceramente com as outras pessoas. Eram extremos opostos: Jake proporcionava-lhe uma doce sensação de completude; um calor que a aquecia por dentro. O tio dele era sinônimo de desconforto e medo. Não, definitivamente, jamais poderia confiar em Alan.

        Decidiu buscar a sua arma no cofre e ir atrás de Jake. Tinha plena consciência de que era uma ideia absurda, mas queria ajudá-lo.

       Felizmente, não houve necessidade. No momento em que estava no corredor voltando para a sala, com a arma em punho, ouviu o ruído de porta fechando. Quando se virou, lá estava Jake encapuzado e mascarado.

       — Queira me perdoar pela inconveniência, Julia.

       Após deixar a mochila no chão, ainda ofegante, Jake, retirou a máscara e observou atentamente a cientista depositando a arma na mesa. Aproximou-se lentamente, imaginando que ela estivesse ainda magoada.

       — Julia...

      No entanto, antes que Jake pudesse concluir a frase, Julia atirou-se nos braços dele, abraçando-o forte.

      —Jake... Fiquei com tanto medo de perdê-lo novamente. Tanto medo! — ela disse, com um leve tremor na voz. As lágrimas escorriam em seu rosto.

      Aliviado, ele retribuiu o abraço, enlaçando a cintura da cientista, apertando-a com firmeza contra o seu corpo. Só queria Julia. Amava-a ainda mais do que antes. Por ela, enfrentaria dezenas de pelotões de fuzilamento; por aquele abraço, levaria todos os tiros do mundo; para simplesmente vê-la sorrir, encararia os piores tiranos. Não se conformava por Julia ter enfrentado sozinha o pesadelo da perda do filho.

      — Meu amor...Julia, você me perdoa? Eu nunca poderia imaginar que estivesse passando por tudo aquilo sozinha...Nós temos um filho! Um filho — a voz, sempre firme de Jake, falhou. Precisava saber, por meio dos lábios dela, o que havia se passado durante a sua ausência. Almejava aliviar a dor que ela carregava. Porém, as palavras não vinham, apenas os gestos fluíam. Buscaram instintivamente as mãos um do outro.

A Resistência - DuskwoodOnde histórias criam vida. Descubra agora