Chifres de PEDRA

Prólogo

- Silêncio! Silêncio! - Xiban disse em voz alta, tentando acalmar a multidão animada com o espetáculo. - Eu peço silêncio a vocês, meus queridos, pois agora chegou o momento que todos nós esperávamos!
O jovem de vinte e sete anos andou dois passos para frente e colocou - se ao lado de Xiban.
- Hoje é um grande dia para todos nós, porque veremos o melhor toureiro do mundo enfrentar o temível Chifres de Pedra! - Xiban comentou e a platéia gritou o nome de Simas o mais alto possível. - O que tem a dizer antes da batalha, Simas?
- Eu agradeço a todos pelo apoio, eu te agradeço também, Xiban - Simas disse e olhou para Xiban com carinho, como se o conhecesse de outras épocas. - Eu não tenho muito o que dizer, mas espero que vocês se divirtam e torçam pela minha vitória!
- Vejam povo! Dentro de poucos momentos, vamos presenciar uma batalha épica! - Xiban atiçou as pessoas, que gritaram com emoção o nome do jovem Simas. - Então, mostre-nos do que você é capaz! Nós sabemos que o grande Simas é imparável!
Simas, o melhor toureiro, saltou da plataforma onde estava com Xiban e caiu no chão de areia do coliseu. Caiu de pé e com um belo sorriso no rosto, um sorriso que parecia estar livre de qualquer medo, mas na verdade, Simas sabia que tinha chances de morrer porque talvez ele não estivesse pronto para um desafio como aquele. A sua morte não atormentava a sua mente, o que Simas temia era morrer sem ter lutado contra o touro mais forte do mundo. Simas não sabia mais quanto tempo ele tinha de vida, ele não sabia qual seria o dia da sua morte, então ele decidiu que morreria fazendo o que faz de melhor. Simas não apenas sabia que morreria, como também aceitou sua possível derrota, ele preferia morrer perfurado por chifres do que morrer por uma doença causada por um vírus insignificantemente pequeno, vírus que estava se fortalecendo no seu sangue.
Simas olhou para o sol forte daquela tarde e pensou " Meu Deus, proteja os meus filhos. Meu pai celestial, por favor, proteja a Yunge. É só o que te peço. "
Em seguida, Simas ficou em posição de ataque. As decorações das ombreiras do seu traje de luzes balançavam com o vento daquela tarde ensolarada.
- Preparado? - Xiban perguntou quase gritando e Simas fez que SIM com a cabeça. Com isso, Xiban lançou uma lança dourada no centro do chão.
A lança ficou presa na areia e havia uma muleta amarrada na lança, Simas desamarrou a muleta e usou a lança dourada como estaquilhador.
Xiban fez um sinal para dois homens extremamente musculosos que estavam em um altar acima da grade do touro e os homens puxaram a grade de ferro para cima, fazendo com que o touro fosse libertado, libertado apenas para matar Simas.
- E COMEÇOU!!! - Xiban gritou com animação e o povo começou a gritar o nome de Simas.
O touro vermelho correu na mesma medida em que foi libertado, correu na direção de Simas, que estava com os pés cruzados, com o peito estufado e segurando a muleta na mão direita. A cada patada do touro contra a areia, os minúsculos grãos de areia voavam pelo ar, um " espetáculo de poeira ".
Mas aquele touro era diferente de todos os outros, pois os seus chifres não eram chifres comuns. Os seus chifres eram compostos por pedra, ou seja, eram chifres de touro, mas como se fossem banhados à pedra.
Quando o touro chegou perto de Simas, aconteceu algo que a plateia não esperava, até mesmo Xiban, aconteceu que Simas pulou com o pé direito sobre a cabeça do touro e depois impulsionou - se, saltando por cima do touro. Ao fim do salto, caiu de pé na outra metade do coliseu e de costas para o touro.
- Minha nossa! O que foi isso, meu povo!? - Xiban disse em voz alta, depois que as pessoas aplaudiram Simas e gritaram o nome dele. - Ele pulou por cima do Chifres de Pedra! Não estou sonhando, ELE é o Simas de verdade!
Simas respirou fundo, olhou para a platéia e colocou a mão esquerda atrás das costas.
- Viram como eu sou ágil? Sem chance para o touro! - Simas falou olhando para a platéia.
Ainda com a mão esquerda atrás das costas, Simas virou - se de frente para o touro e olhou nos olhos do seu oponente de chifres. " Agora é hora do segundo ataque, mas não vou ferir o touro para matar, porque assim o espetáculo acabaria muito rápido. ", pensou Simas, balançando a muleta e sorrindo com malícia.
- Venha! Eu quero os seus chifres! - Simas gritou para o touro.
O touro bufou e correu na direção de Simas, que desviou a muleta da direção do touro, fazendo o touro chocar os chifres em um pilar do coliseu. Esse movimento foi grandioso porque após Simas desviar a muleta da direção do touro, o jovem toureiro girou duas vezes e sapateou na areia com objetivo de desafiar ainda mais o touro. Todos aplaudiram, Xiban não comentou desta vez, estava impressionado com o talento de Simas.
Simas não parou de sapatear, não se importou com o fato de que o touro já estava se desgrudando do pilar. " Agora é o ataque final, vou prestar atenção para ferir ele em um local que seja letal. Não posso correr o risco de errar um ataque. ", pensou Simas no mesmo momento em que o touro correu para tentar um terceiro ataque, mas quando o animal feroz ficou próximo do corpo de Simas, o mesmo virou - se e atacou.
Simas perfurou o pescoço do touro em uma parte onde o touro perderia muito sangue, fez isso usando a lança dourada, o animal ferido caiu imediatamente na areia. Aquela parte realmente era letal, mas o touro não era um touro comum e Simas iria descobrir isso.
- Simas é o melhor! - Xiban comemorou e as pessoas gritaram de emoção. - Jamais houve um homem que conseguiu matar o lendário Chifres de Pedra!
Simas baixou a guarda por vontade própria, largando a lança e a muleta na areia. Aquele era para ser o maior momento da sua vida, deveria se sentir um rei! Mas ele estava extremamente triste por dentro por saber que não viveria o suficiente para ver o seu filho mais novo crescer. O seu último desejo era que um touro o matasse antes da sua doença. Mesmo triste, mandou beijos para as mulheres e ergueu os braços para o alto, indicando que era um vencedor.
Simas fingiu que estava comemorando como nunca havia comemorado em toda a sua vida, mas não demorou muito para acontecer o que ele queria que acontecesse de certa forma, o seu sofrimento acabou quando um chifre de pedra atravessou o seu peito.
Não foi um grande choque para Simas, aconteceu tudo muito rápido e ele teve pouco tempo para processar a dor daquela chifrada. O seu cabelo loiro balançou com o vento, o touro tirou o chifre da carne de Simas e o jovem toureiro caiu de cara na areia.
Uma quantidade significativa de grãos de areia voaram desajeitadamente quando Simas caiu na areia. Derrotado do jeito como desejava e sem vontade de levantar, Simas só pensava em duas coisas: O seu filho de dez anos e a sua namorada, que estava grávida e que daria luz à um filho que se chamaria Mateo. Infelizmente, a namorada de Simas sabia que eles não voltariam a se ver e ela também sabia que ele nunca teria abandonado a sua família se a doença não tivesse mudado todo o significado da sua vida.
Uma lágrima escorreu do olho verde direito de Simas, deslizando por cima do seu nariz e molhando um pouquinho da areia.
- E ele morreu?! - Xiban disse e começou a chorar, a plateia o acompanhou nas lágrimas. De repente, uma forte chuva tomou conta do tempo ensolarado que predominava há alguns momentos atrás. Desesperado, Xiban se jogou na arena e correu até o corpo de Simas - Não morra, Simas! Eu vou te salvar!
- Não, Xiban. - Simas disse com dificuldade quando Xiban se ajoelhou.
- O que estão olhando?! Mexam-se! Ele precisa ser curado! - Xiban gritou para os seus médicos, enquanto Simas sangrava nos braços do apresentador.
- Ele foi destruído por dentro, senhor - um dos médicos disse. - Veja os órgãos caindo para fora do corpo. Não há o que fazer.
- O homem mais corajoso e habilidoso que eu já conheci! O melhor amigo! O melhor colega! - Xiban disse chorando. - Você é o meu maior ídolo! Você não pode morrer!
- Xiban. Você e eu sabemos que eu morreria de qualquer jeito, mas eu prefiro morrer assim do que apodrecer aos poucos. Entregue... Entregue essa lança e essa muleta para o Sebastião. Esse... Esse é o meu último pedido - Simas disse, olhando para a lança que foi usada no duelo. - Você foi... Você foi um bom amigo desde o início da minha carreira. Continue sendo o homem que você é.
Simas não sabia se a sua mulher conseguiria se sustentar sozinha, nem mesmo sabia qual seria o destino de seus dois filhos, mas de uma coisa ele sabia. Simas sabia que aquele era o seu fim e que havia deixado um legado para os seus filhos, ou seja, no momento certo todos saberiam que os seus filhos carregavam o sangue do melhor toureiro do mundo!
Antes que Simas pudesse aceitar a sua morte, o seu corpo começou a ficar petrificado. Dos pés até a cabeça, o seu corpo foi coberto por pedra até que ele se tornasse uma estátua de pedra. O processo de petrificação foi rápido, mas não instantâneo, Simas percebeu o que estava acontecendo.
- NÃÃÃÃÃÃO! - Xiban gritou, abraçando a estátua Simas.
Xiban chorou muito pela morte de Simas, mas ninguém que estava naquele coliseu poderia entender o motivo que levou Xiban a chorar tanto. Por alguns poucos segundos, Xiban lembrou de três memórias, três momentos que viveu junto com seu melhor amigo.
Primeira memória: Xiban era uma criança e estava sentado no gramado de um pomar. Ao lado de Xiban, estava sentado seu amigo Sebastião e o pequeno Simas estava na frente de ambos segurando um vestido velho e um graveto.
- Vejam, amigos! - Simas disse sorrindo, desviando o vestido da direção dos chifres de um bode chamado Feioso. - O Feioso não consegue me atacar! É isso que eu vou fazer com os touros quando eu crescer, vou deixar os touros tontos!
- Isso, Simas! - Xiban disse em voz alta, levantando os braços para cima.
Segunda memória: No pátio de um castelo, uma serva estava dando aula de redação para os seus alunos, alunos que eram filhos de pessoas importantes daquela terra.
- Agora eu quero saber o que cada um vai ser quando crescer - a serva disse. A serva estava em pé e os alunos estavam sentados no chão dourado do pátio principal do castelo - Começando por você, Sebastião.
- Eu quero ser um ferreiro! - Sebastião disse com empolgação. Na primeira memória, os três meninos tinham seis anos, na segunda memória eles tinham dez anos.
- Muito bom! - a serva disse e virou o rosto para Xiban. - E você Xiban?
- Eu quero ser um criador de eventos! - Xiban disse. - Algum dia eu vou ser dono do Hardema's Coliseu!
- Eu não tenho dúvidas disso! - a serva exclamou com alegria.
A serva olhou para Simas e chamou o nome dele. Quando a serva chamou o nome do menino Simas, todos os outros alunos olharam para ele.
- Simas. O que você vai ser quando crescer? - a serva perguntou, olhando de um jeito estranho para o menino, como se tivesse feito a pergunta com más intenções.
- Eu vou ser um toureiro! - Simas disse sorrindo e levantando os braços para o alto. - O melhor toureiro do mundo!
A serva soltou uma risada escandalosa e os alunos a acompanharam com risos também, exceto Sebastião e Xiban que ficaram com raiva.
- Ser toureiro não é uma ocupação! - a serva disse rindo. - Nem mesmo é possível viver disso!
Simas se levantou chorando e saiu correndo. Sebastião e Xiban foram atrás de Simas, mesmo sem a autorização da serva educadora.
Terceira memória: Simas e seus amigos tinham quinze anos de idade e estavam de pé no topo de uma montanha. Os três estavam apreciando a linda vista do pôr do sol.
- Meus amigos, hoje eu vou sair dessa terra - Simas disse, sem desviar os olhos da paisagem. - Eu vou para o oriente.
- Por que? - Sebastião perguntou para Simas.
- Eu preciso ir atrás do meu sonho! Ontem eu contei para o meu pai que eu queria ser um toureiro, vocês sabem o que o idiota fez? - Simas perguntou para os seus amigos, mas não queria que eles respondessem. - O desgraçado me bateu e disse que ser toureiro era coisa de sodomita.
- Que merdinha! - Xiban insultou o nome do pai de Simas. - Eu acredito que você vai ser um toureiro, mas ele vai ser um pescador pra sempre!
- Aqui em Thosfatera todo mundo zomba do meu sonho, mas eles vão ver o meu sucesso - Simas disse, fechando a mão com raiva. - Eu vou para o oriente. Eu vou me tornar um toureiro famoso, todos ouvirão histórias sobre mim e todos vão se arrepender por terem zombado de mim, mas eu não pisarei nessa terra nunca mais!
Xiban foi despertado de suas memórias e percebeu que aqueles momentos com Simas não retornariam.