Horário estranho

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No caminho para os nossos quartos, não pude deixar de reparar mais uma vez na estrutura medonha e antiga desse hotel tão peculiar. Consigo ouvir apenas o som dos nossos passos e o ranger do chão de madeira que parece ter sido colocado na década passada. Subimos as escadas e seguimos até o final de um longo corredor com muitos e muitos quadros nas paredes, compostos pelo que pareciam ser dezenas de famílias das mais variadas. Apesar do ambiente propício de um filme de terror, nada disso me apavora e acredito que também não assusta meu colega de trabalho, pois nós dois sabemos que enfrentamos criaturas e seres horrendos o suficiente para não nos assustarmos facilmente. Chegamos enfim ao final do corredor, ambos de frente para seus respectivos quartos e consequentemente de costas um para o outro.

- Se você não estiver muito cansado, podemos revisar algumas coisas antes de dormir. - eu digo, ainda de costas, abrindo a porta de meu quarto.

- Sim, sim. Vou só tomar um banho e você traz o notebook e os documentos, pode ser? - ele diz, provavelmente olhando para mim, mas não me viro.

- Tudo bem. - eu simplesmente digo e entro no quarto fechando a porta atrás de mim logo depois.

Coloco as malas no chão e procuro um interruptor, achando-o facilmente. Analiso o lugar e concluo que é um quarto simples. Possuía uma cama de solteiro, uma cabeceira ao lado com um abajur e um telefone, lençóis limpos dobrados em cima da cama, uma toalha limpa também dobrada e um pequeno sabonete em cima dela. O chão estava coberto por um carpete vermelho e azul, completamente brega. Havia também uma televisão pendurada na parede.

Sem perder muito tempo, alcancei os itens de higiene, uma muda de roupas e entrei no banheiro, que era limpo e pequeno. Tomei uma ducha gelada, sentindo a pressão da água massagear minhas costas de forma relaxante. Escovei os dentes, prendi o cabelo em um coque alto e coloquei uma calça moletom e uma blusa fina. O clima do lugar era um pouco frio, mas eu até que estava acostumada com isso. Com o notebook e algumas pastas em mãos, saí do quarto e me direcionei à porta da frente, dando três batidas nela. Thiago rapidamente à abriu, estava cheiroso e com o cabelo úmido, uma camiseta simples e uma bermuda aparentemente confortável.

- Até que esse lugar não é tão ruim assim. - ele disse apontando para a televisão ligada.

Estava passando um filme qualquer do Tarantino, e ele sorria feliz e orgulhoso, parando alguns segundos pra admirar uma mulher de amarelo na tela que perfurava com a sua espada todos os seus inimigos. Seu quarto parecia completamente idêntico ao meu, exceto pela cama bagunçada e algumas roupas jogadas próximas à porta do banheiro.

- Esse lugar é uma espelunca, isso sim. Mas os quartos não são tão ruins. - eu concluo, colocando os documentos em cima da cama e abrindo o notebook.

- Vamos tentar ser rápidos para voltarmos o mais breve possível pra casa. - Thiago diz, ainda com os olhos fixos na televisão. - Odeio cidades pequenas.

Assim que abro a tela inicial de meu notebook, não consigo deixar de reparar que ele marca aquele mesmo horário de todos os relógios. Não importava o tempo que havia passado, ainda eram 19:56.

- Thiagão, essa cidade tem algo com as horas... - eu digo enquanto pego meu telefone, confirmando a suspeita de que o horário estaria exatamente igual.

Ele me olha e alcança o telefone na cabeceira da cama.

- Mas que merda é essa? Tem algo muito errado aqui. - ele diz, digitando algum número em seu telefone e ligando para alguém.

Alguns segundos se passam e meu colega de trabalho aguarda pacientemente com seu telefone entre uma das mãos e seu único ouvido perfeito.

- Alô? Sr. Veríssimo? - ele diz enquanto coloca o telefone no viva voz.

- Boa noite Sr. Veríssimo. - uma voz feminina fala. - Em que posso ajudá-lo, senhor?

- Minha querida, você poderia me dizer as horas? - ele pergunta.

- Como, Sr. Veríssimo? - ela parece confusa.

- As horas, por favor. Chegamos em um hotel na cidade de Ghaita, e aparentemente por aqui são sempre 19:56. O horário não muda! - ele diz, coçando a cabeça.

- São 01:35, Sr. Veríssimo. - ela diz. - O ajudo em algo mais?

Thiago suspira, um pouco frustrado.

- Não, não. Era só isso mesmo. Obrigado. - ele desliga antes mesmo que a mulher do outro lado da linha tenha a chance de dizer algo.

- Isso tudo é muito estranho. Será que isso acontece na cidade toda? - eu digo enquanto alcanço o telefone fixo do quarto, ligando para a recepção e conseguindo a senha do wi-fi.

Estou determinada a investigar a fundo o que quer que esteja acontecendo nessa cidade. E sei que Thiago também.

Tudo que poderíamos ser [LIZAGO]Onde histórias criam vida. Descubra agora