Um brinde!

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Leio todo o documento em voz alta enquanto Thiago anota algumas informações em sua agenda pessoal. Pesquiso qualquer matéria sobre o caso na internet e parece não ter nada. Acredito que foi bem acobertado pela polícia local, de maneira que não chame a atenção de ninguém.

- Amanhã cedo nós temos que passar na casa dela, precisamos descobrir no que essa menina estava mexendo. - Fritz diz, pensativo. - Mas por hoje, vamos relaxar. - ele fala, alcançando um maço de cigarros em cima do criado-mudo, e puxando um deles com a boca.

Eu concordo com a cabeça.

- Vamos beber alguma coisa? - eu sugiro, com um sorriso malicioso no rosto.

Thiago arqueia uma de suas sobrancelhas levemente. Sua expressão séria e pensativa aos poucos se transforma em um sorriso presunçoso. Ele acende o cigarro.

- Tequila? - Fritz diz sorrindo. - Elizabeth Webber, você trouxe uma garrafa de tequila pra nossa missão?

- Não sabia que porra de lugar era esse. Melhor prevenir do que remediar. - eu digo enquanto ouço Thiago gargalhar e observo por um segundo como nossas risadas se misturam no ambiente.

Thiago Fritz era de fato o melhor parceiro que já tive em toda a minha vida. Nossa conexão é única, e muitas das vezes eu não preciso nem me dar o trabalho de verbalizar o que estou pensando, nas missões geralmente nos comunicamos através de olhares mesmo. São quase 5 anos trabalhando com ele, e ele já salvou a minha vida mais vezes do que posso contar, e vice versa. É bom ter alguém assim por perto, uma pessoa em que você confiaria a sua vida sem pensar duas vezes. Thiago é essa pessoa pra mim, e por mais que eu seja difícil de lidar, e não expresse com frequência tudo que sinto, sou grata por tê-lo comigo. Mas tudo isso só fica na minha mente como de costume, ainda estou muito sóbria pra expressar qualquer coisa do tipo.

Eu o peço pra esperar e corro em direção ao meu quarto. Retiro de dentro da minha mala uma garrafa lacrada de tequila e 2 copos de shot pequenos. Nessa vida que levo, desde que entrei pra Ordem, o álcool tem sido uma das coisas que me alivia e relaxa, mesmo sabendo que isso não é motivo de orgulho e na verdade beira ao alcoolismo. Mas eu sei bem que não tenho tido muitos prazeres na vida, e não gostaria de me negar mais um deles. Nós dois estamos fadados ao vício, infelizmente. Eu com a tequila, Thiago com o cigarro.

Retorno ao seu quarto e o vejo sentado na cama assistindo ainda aquele filme antigo na televisão. Seu rosto concentrado encara uma das obras de Tarantino, seu diretor de cinema preferido. Tenho quase certeza de que meu colega de trabalho já decorou todas as falas desse e de outros filmes do produtor em questão. E olha que são muitos.

Seu olhar vidrado nem me percebe no quarto, e tomo alguns segundos de meu tempo o observando. Seus cabelos castanhos e curtos, já não tão úmidos como antes, mas ainda bagunçados, combinam com a cor de seus olhos. Olhos esses que encaram a televisão fielmente. Entre seus lábios, o cigarro aceso e a fumaça que sai dele preenchendo o quarto, exalando um cheiro forte de nicotina no qual eu já estava acostumada devido há tantos anos de companhia. Um de seus braços fortes devido aos incessantes treinamentos na Ordem se deslocam afim de jogar as cinzas do seu vício no cinzeiro ao lado. Thiago era de fato um homem muito bonito e carismático. Lamento ter tido a sua vida roubada de forma em que ele não pudesse escapar do destino cruel, a sua vida perigosa como agente e soldado. Deus sabe que rezo todos os dias para que seu futuro não seja igual à de seu pai. Temo frequentemente que um dia isso aconteça. Espero estar com ele sempre que possível para impedir.

Espanto tais pensamentos de minha cabeça e fujo de meus devaneios e filosofias. Afinal de contas, a missão de hoje é relaxar. Quero poder fazer isso.

- Vamos? - eu digo, quebrando a sua concentração e fazendo com que ele me olhe.

Abro um sorriso sincero e seguro a garrafa em minhas mãos como se fosse um troféu em que me orgulho de mostrar. Thiago ri.

- Você parece uma criança que acabou de ganhar um doce. - ele conclui, se levantando e pegando os dois copos de shot vazios de minhas mãos.

- Não acho que é a analogia certa, visto que o que estou segurando é puro álcool. - eu digo, brincalhona.

- Olha só! O que uma garrafa de tequila não faz com o seu humor, já está até fazendo piadas! Vou ter que começar a carregar uma dessas em todas as nossas próximas missões. - ele diz, sorridente.

- Já era hora! Eu estava tendo que fazer tudo! - eu respondi com ironia.

Nós dois rimos mais uma vez, e eu finalmente abro a garrafa e encho nossos shots. Seguro o meu no alto, próximo ao dele, para que possamos brindar.

- À nossa incrível parceria e à mais uma missão que vamos tirar de letra! - eu digo, e nós brindamos.

- É claro que vamos. Olha o parceiro porradeiro e inteligente que você tem. Não tem como não dar certo!

Passamos bons minutos bebendo e conversando. Thiago me proíbe de falar sobre o trabalho, e Deus sabe como sou viciada em falar disso. Acho que é mais fácil pra mim falar de criaturas paranormais do que sobre meus sentimentos, minha vida e eu mesma. Sinto que na verdade negligenciei a minha vida pessoal, fui a deixando de lado porque era mais fácil fazer isso do que tentar concilia-la com o tipo de trabalho que tenho. A verdade é que há muito tempo eu esqueci quem eu sou, e a única pessoa que me lembra de uma fração do que eu costumava ser se encontra sentado bem a minha frente. Talvez ele seja de fato a minha única âncora. Talvez ele tenha me salvado de outros jeitos também. E Thiago não faz ideia disso.

Tudo que poderíamos ser [LIZAGO]Onde histórias criam vida. Descubra agora