Nós nos conhecíamos desde crianças, mesmo sendo menina eu sempre fui muito pivete, eu e Juliano, nós juntávamos aos moleques mais velhos da quebrada e íamos fazer arrastão na praia, ele sempre tentava me proteger, mas eu me garantia, não era nenhuma mandada, nas poucas vezes um coxinha me pegou, uma ou duas facadas resolviam o problema e eu corria pra acompanhar o resto da tropa dos "menó". E foi assim até que os menor foram crescendo.
Desde que eu nasci eu já tinha meu lugar garantido no movimento, o meu pai morreu no assalto a banco que garantiu fama e respeito pra nossa família. Eu passei toda a infância escutando:
-Seu pai era foda preta, quando tu quiser ser uma irmã, teu lugar tá te esperando – seguido de tapinhas na cabeça, por homens e mulheres mais velhos cheios de correntes e anéis de ouro e uma glock ou taurus na cintura. Juliano nunca conheceu o pai dele, a mãe era prostituta na zona do Gigi, então podia ser qualquer um, mas ele sempre perguntava
- E eu tio? Posso entrar pro movimento também? Eu já sei roubar, já sei fumar maconha...
Mas a resposta pra ele era sempre a mesma:
- Faz teu nome moleque, mostra que tu é homem e a gente vê
Com 13 anos eu ganhei a minha primeira bolsa de pó, era pra vender no baile, mas eu dividi com Juliano e nós vendemos juntos. A quantidade era igual, mas eu fiz mais dinheiro que ele. Quando eu entreguei o dinheiro pro Suzano, fiquei com aquele valor a mais pra mim, e ninguém soube que eu tinha negociado melhor.
O Suzano cuidava da contabilidade da boca, e começou a mandar mais e mais droga pra gente. Com 15 anos eu já sabia o que era amor, e eu amava Juliano de todo meu coração. Eu faria qualquer coisa por ele. E eu fiz. Todo final de semana a gente entrava num motel pra fazer amor e depois de trepar a noite toda, a gente saia de quarto em quarto com o três oitão na mão, até que todos os "hospedes" estivessem limpos.
Quando eu deixei de ser menor entrei pro movimento.
- Porra mano, eu não acredito que tu vai aceitar entrar sem mim.
- Calma nego, eu vou entrar e te puxar pra dentro, não te preocupa.
Mas não foi bem como eu pensava. A gente tinha que estar sempre no corre e só dava pra pagar pra mim, então Juliano foi crescendo dentro do morro. Ele pegava a droga e repassava, e eu ajudava a multiplicar os lucros, mas sempre deixando os méritos pra ele, eu já tinha meu nome, ele precisava do dele. E eu me reduzi o possível pra ele alcançar o lugar aonde ele está hoje.
Subindo o morro na minha 600, passei por aquela novinha antes de chegar em casa, a Galega, antes de chegar em casa e ela me deu aquele sorrisinho debochado de vagabunda.
- Tá rindo do que boneca Anabelle? – Perguntei tirando o capacete e botando a moto branca no tripe.
- Nada, ué, não pode mais rir não?
- Tu sabe com quem tu tá mexendo né Galega? – o fioti perguntou pra ela apontando pra mim.
- É eu sei, é a mulher do dono do morro – ela disse virando os olhos.
- Já não é bonita, quando me vira o zói, tá possuída cadela? – Perguntei provocando.
- Comé que é? Cê não pode falar assim comigo não. – ela falou vindo me peitar, mas o fioti ficou no meio.
- Na real eu posso sim vagabunda, e baixa tua bola antes que tu fique careca e sem sobrancelha.
Ela foi embora e eu entrei em casa, quando subi Juliano estava na piscina fumando um baseado.
- E aí? – ele perguntou me passando a bola.
- Suave, eu ainda vou dar uma coça naquela amostra grátis de perfume barato.
- Quem?
- A Galega, tá se achando demais aquela puta.
- Vem cá relaxa comigo. Esquece essa ai.
Tirando a amostra de demonia, essa era a nossa rotina diária, em 4 anos de casamento, ele nunca tinha me feito duvidar do amor dele por mim, e ele já sabia que não deveria pisar fora do tablado.
- Amor eu não vou no baile hoje, então tu se comporta. Eu tenho que ir falar com os cabeças, vou lançar o teu nome na roda.
- Sério amor? Porra, nem tenho roupa pra um evento desse.
- Pode se preparar então. Agora chegou a tua hora chefe do morro.
Quando eu saí da casa do Abdul, depois de tudo que as irmãs tinham me falado, eu só conseguia tremer e me segurar para não chorar.
-Isso acontece gata, mas agora é você que tem que decidir o que vai fazer, nós avisamos que ele não servia nem pro movimento nem pra tu, o juri já aprovou, a responsa agora é tua – Taisa, mulher do Abdul foi quem me chamou nas ideia, querendo saber se eu ia deixar a minha moral ser arrastada ou se eu ia fazer meu nome.
Eu sentia que poderia sugar todo o ar do mundo e ainda me sentir sufocada. Os dois fiote que foram comigo eram do movimento e me deviam lealdade. Quando chegamos no baile eu entrei com eles pelos fundos e subi direto.
- BAIXA GERAL, NINGUÉM SOBE, A RAINHA CHEGOU. – o fiote gritou expulsando todo mundo no caminho escada acima.
Na área vip eles começaram a tocar toda a galera pra fora.
- Deixa a musica tocar- eu avisei pra eles que passaram o rádio e o baile continuou animado como se nada estivesse acontecendo.
Cheguei na porta e perguntei pro gordo:
- Cadê teu patrão, e não diz que tu não sabe, senão já sabe.
Ele não falou, apenas saiu da frente da porta que dava pro escritório que Juliano costumava usar no galpão.
Nós três subimos e quando o fiote abriu a porta pra mim, a Galega estava de quatro, pelada, em cima do dinheiro cheirando pó direto de um tijolo, enquanto Juliano metia nela ao som do grave do dj tocando puta mexicana.
Aquilo não me abalou, eu teria tempo de chorar, mas esse não era o momento. Puxei minha glock .40 e dei três tiros pra cima. Os dois se jogaram no chão olhando em desespero ao redor procurando da onde vinha o ataque.
- Oi amor, e aí tá bom esse colchãozinho feito com o meu dinheiro?
- Olha só sua vaca você não é dona de nada aqui, o dono do morro é o Ju se não fosse por ele cê não teria nada – a vagabunda disse querendo me peitar pelada como veio ao mundo.
- Ow fioti, segura essa vagabunda ai.
O garoto puxou ela pelos cabelos enquanto ela esperneava pedindo para Juliano ajuda-la, mas ele nem ao menos se mexia.
- Que isso gata, ela não é nada, é só uma vadia, esquece ela.
- É, ela é só uma vadia, e tu é um desgraçado morto.
- Não dá de maluca não mina, você precisa de mim, você acha que uma maluca ciumenta vai ter moral no morro? Mano a gente pode resolver isso. Como você vai manter a minha boca? Tu acha que tem moral só por causa do nome do teu pai?
- CASOU COMIGO PORQUE QUIS NESSA DESGRAÇA, EU QUE NÃO VOU PARAR DE SER QUEM EU SOU PRA SER QUEM É QUE VOCÊ QUEIRA, VOCÊ SABIA QUE EU ERA MALUCA, CIUMENTA, E QUE EU SOU DESEQUILIBRADA. E QUEM DISSE QUE A BOCA É TUA?!? QUEM DISSE QUE EU PRECISO DE TU PRA ALGUMA COISA NESSA PORRA – eu gritei segurando a arma na direção dele, antes de atirar mais 15 vezes até o pente descarregar. – Menó trás o facão que vou mostrar pra essa talarica o que a gente faz com galinha.
Eu mandei chamar todos os parças dele antes de voltar pra área vip, e dancei a noite toda rebolando a raba segurando a cabeça ensanguentada do meu marido numa mão e chutando a cabeça careca da amante dele pela pista.
Nós dois tinhamos 26 quando a vida dele terminou, eu mostrei pra ele que a vida no morro pode ser muito boa ou muito curta.
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Contosos: amor e outras merd#s
Historia CortaContos com romances macabros. Nem toda história de amor termina em finais felizes.