O Brilho da Mulher Amada

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Ela brilhava.
Em todo o baile do qual participava, era como se a jovem dama tivesse luz própria. Talvez fosse a pele de porcelana que parecia nunca ter sido banhada pelo sol. Talvez fossem os cabelos feitos de fios de ouro que reluziam mais do que qualquer dos astros conhecidos.

Eu não saberia dizer.

No meio do salão de baile, em sua 3ª aparição, quando caminhou pelas grandes portas da Mansão Frey, meu coração disparou novamente. Era como a lua cheia reluzindo apagando o brilho de todas as estrelas presentes com a sua majestade.

O conhaque desceu queimando enquanto eu tomava coragem para preencher o seu cartão de dança. A jovem se sentava junto a outras de sua idade. Recém apresentada a sociedade Londrina, era esperado que logo um pretendente a tomasse como noiva.
Eu seria esse pretendente.

A dama de companhia cochichou algo em seu ouvido disfarçando o olhar na minha direção. Passei os dedos enrolando as pontas do bigode grisalho enquanto a jovem olhava para o cartão em suas mãos.

- A senhorita me daria a honra de uma dança? - fiz uma reverência e ela me entregou o cartão com um tímido sorriso.

- Ficarei honrada vossa graça.

Eu esperava que ela corasse, mas seu rosto tímido empalideceu. Uma jovem dama da baixa nobreza deveria se sentir abismada na minha presença, então recebi sua reação como um elogio.

Desde o início da estação eu a observava a distância. Um duque como eu, não poderia simplesmente se deixar levar pelos desejos da carne ao escolher uma esposa. Então eu observei. Pode-se dizer até que espreitei-a durante seus passeios a tarde pelo parque, desfilando com seu vestido azul cheio de rendas e a dama de companhia ao lado.

Ela rodopiava pelo salão com um jovem rapaz da sua idade, o herdeiro do Conde Winston, com um sorriso singelo no rosto e as bochechas vermelhas pela dança quando a música terminou e pedi licença para a próxima. Assim que a tive em meus braços e a sinfonia voltou, ressoando uma cantiga lenta e melancólica, eu finalmente pude ter um vislubre de seus olhos da cor de esmeraldas.

- Já peço perdão antecipadamente, mas diante de tanto esplendor eu sou obrigado a teçer-lhe elogios - seus lábios abriram em espanto - há várias moçoilas aqui que dançam muito bem, mas a senhorita se move com tamanha graça, que me emociona sempre que a vejo.

- Eu agradeço, vossa graça, o duque também... Dança muito bem.

- ...Para a minha idade? Talvez - seu rosto avermelhou com as minhas palavras e ela tentou contornar.

- Não vossa graça, não foi o que eu-

- Não, tudo bem, eu sou um homem experiente e solteiro apesar das minhas 38 primaveras, mas uma jovem como você, teria um bocado a ser agraciada com tal experiência.

A música terminou quando estávamos no meio do salão. Aplaudimos os músicos e ela me deu as costas ao sair dizendo estar se sentindo um pouco tonta.

Aquela foi a primeira noite de cortejo. Nas semanas seguintes eu passei os dias encomendando flores e presenteando-a com entregas diárias, claro que eu não esperava ser o seu único pretendente, eu sabia que o filho do Conde de Winston havia se interessado e outros rapazes de baixa nobreza também, mas quando um convite para comparecer a residência do Visconde de Guillen, me foi entregue, eu soube que havia vencido aquele páreo.
O cocheiro parou em frente aos portões, abrindo a porta da carruagem esperando que eu descesse. Caminhei com o olhar altivo e adentrei a casa assim que a governanta me recebeu.

- O Visconde o aguarda no escritório - ela falou caminhando a minha frente indicando o caminho - por aqui vossa graça.

...
- ISSO É UM ULTRAGE! - rosnei erguendo os ombros contra o respaldar da cadeira.

- Nós sentimos muito pelo mal entendido vossa graça, eu entendo que o Duque tenha se afeiçoado a Elena.

- Afeiçoado? Eu a presenteei, desde o início deixei bem claras as minhas intenções, se ela já estava prometida a outro, não deveriam te-la debutado como uma moça solteira!

- Isso foi um desejo de minha filha, debutar e ser apresentada a sociedade Londrina como qualquer outra jovem, porém ela não estaria disponível para o cortejo.

Antes que ele pudesse dar mais desculpas, recolhi o que sobrava da minha dignidade e sai caminhando duro do escritório. A jovem de 16 anos fora prometida ao filho do Conde muitos anos, como filha única, e como o Viconde de Guillen perdera muito dinheiro em um investimento mal feito, concordou e desposar a sua única filha com o herdeiro do retentor da sua dívida o Duque de Fortnight.
Agora as badaladas do sino relógio soavam as 2 horas da madrugada, e vestido ainda com o traje que eu encomendara a semanas para o alfaiate, para usar quando fosse pedir a mão de lady Elena, eu caminhava pelo quarto, envergonhado e com o velho coração multilado. Eu sempre fui um homem dado aos desejos da carne, nunca procurei uma esposa. Nunca pensei que desejaria me casar, talvez um dia, quando necessitasse de herdeiros que carregassem o nobre nome da minha casa, mas nunca movido pela paixão e agora... Ela acendeu essa chama em meu peito que não se dissipava e o álcool a fazia flamejar com ainda mais força.

Isso não ficaria barato.

As sombras da noite cobriram as minhas pegadas. A noite de início de verão trazia consigo o cheiro adocicado das flores, o céu estrelado e as úmido começava a ressecar nas minhas narinas.

Meu corpo poderia não ser de um jovem no auge dos seus dezoito anos, mas ainda tinha seus atributos. Meus passos silenciosos caminharam até a lateral da casa onde busquei a sua janela. Me espremi nas paredes de pedra quando um guarda passou pela rua e voltei a espreitar assim que onperdi de vista. Não havia vela acesa no quarto do primeiro andar, mas no térreo as teclas do piano ressoavam suavemente para fora da janela aberta.

Entrei silenciosamente e imerso em sombras, observei-a dedilhar o piano. A sua habilidade na dança, não se comparava a graça com a qual ela tocava cada nota, como se se fundisse com a música, sendo possuída por ela. O som melancólico, ecoava pelo pequeno estúdio enquanto seus olhos permaneciam fechados.

Ela brilhava.

Era como se a luz suave das velas no candelabro sobre o piano de calda, refletissem na sua pele e a luz fosse absorvida e propagada por ela. As vestes brancas de tecido transparente, o cabelo preso em um penteado intrincado, a música suave e o seu brilho natural a faziam parecer um espectro reluzente naquela noite quente.

Eu a amava, mas ela não era minha para amar.

Me aproximei cuidadosamente, sentindo as notas graves criadas por Mozart e tocadas divinamente por esse anjo, estremesserem a minha pele. Quando ela pressionou a última tecla e finalizou a música, segurando aquela nota até que se dissipasse, seus olhos se abriram. Aparentemente, acostumada a escuridão, ela não demorou muito a perceber a minha presença.

Seus olhos esmeralda, se abriram grandemente em uma mistura de vergonha, desespero e terror.
Vergonha por estar pela primeira vez em sua curta vida, semi-nua na frente de um homem?
Desespero pelo que seria de sua reputação se gritasse ou se não gritasse?
Terror... Por ver o punhal preso entre meus dedos?
Talvez, mas eu não tive tempo o suficiente para perguntar sobre seus sentimentos enquanto cravava a lâmina o mais fundo que podia em seu coração.

- Tão linda... Tão brilhante quanto o luar nesta noite de verão - sussurrei acariciando sua bochecha enquanto suas mãos delicadas se agarravam aos meus braços como se tentasse se segurar ao seu último suspiro de vida.

Sem um último adeus, ela desfaleceu em meus braços, seu olhar se apagando fixo ao meu. Segurei-a até que o último ofego deixou seus lábios rosados, que passaram a ser brancos em tão pouco tempo.

Passei o braço sob seus joelhos que não a continham mais em pé e carreguei-a como uma noiva até o divã de veludo carmesim. O sangue descia pelas suas vestes formando um cobertor rubro sobre ela, e como se fosse parte daquele móvel, vermelho em vermelho, ela ficou... Deitada, olhos fixos no vazio, imutável. Eu a amava, mas ela não era minha para amar... E agora também não seria de mais ninguém.
Eu guardaria essa recordação até o além túmulo. Um espetro rezulente naquela noite de verão.
Ela era brilhante.

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