Chegada

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Voando nos céus noturnos nas costas do seu Ikran, Neteyam deu uma última olhada para trás, para a vida que estava deixando

Sua tribo, o lugar onde crescera, as coisas conhecida e amava, ele via tudo isso ficando cada vez menor, mais longe, enquanto lentamente se afastava em direção a uma terra distante e estranha, fugindo daqueles que os caçavam.

O vento noturno, frio e cortante, esvoaçava seus cabelos e batia em seu rosto. Neteyam sempre amou essa sensação de liberdade que voar lhe proporcionava. Apesar de no seu coração reinar uma tristeza desoladora por ter que abandonar tudo tão depressa e seus olhos se encherem de lágrimas com a partida silenciosa, ele estava contente de, ao menos, estar ao lado de sua família.

— Por favor, ó Grande Mãe, não deixe que eles nos encontrem. Por favor, Eywa. — o garoto falava para si mesmo, enquanto uma lágrima gelada descia por sua bochecha antes de ser levada pelo vento. Apesar de ninguém ter se machucado até o momento, o sentimento parecia como um luto. Até mesmo o Lo'ak, com suas piadinhas recorrentes, parecia sério e distante. 

Olhando ao redor, viu que o brilho das luas de Pandora também refletia lágrimas prateadas no rosto da sua mãe. Imaginou quão difícil deveria estar sendo para ela também.

Ele se perguntava se voltaria a ver aquelas árvores, mas algo no seu âmago dizia que sim.

Demorou cerca de dois dias até que chegassem ao seu destino final. Durante esse tempo, eles fizeram pequenas pausas para se alimentarem e descansarem, bem como os Ikrans. 

As paisagens pelas quais passavam eram inegavelmente bonitas: desde superfícies rasas e calmas onde a água cristalina mostrava claramente os pequenos peixes submersos, até grandes tempestades em mar aberto, que faziam seus corpos tremerem de frio pela chuva e vento, enquanto o gosto de água salgada se impregnava em seus lábios. 

Se não fosse pelo teor da viagem, que o enchia de medo e dúvida, certamente Neteyam teria aproveitado a viagem. Olhando de cima, via criaturas belas de uma maneira que ele nunca havia sonhado, e até mesmo as chuvas torrenciais em mar aberto eram emocionantes, cheias de desafio para o controle de voo. Chuvas tão pesadas como essas eram novas para o menino, já que na floresta, a copa dar altas árvores diminuía o impacto das gotas

O fato é que no fim da jornada, Neteyam estava completamente exausto, embora se esforçasse para esconder isso. Seu ikran também havia sido forçado muito além do limite, e durante o Tsaheylu, o garoto sentia boa parte do esforço compartilhado pela fera.

Seu coração palpitou de alivio quando ali ao longe, viu o que seu pai apontou ser Awa'atlu, a principal vila Metkaiyna. 

Enquanto se aproximavam das tendas do clã, voando por cima do mar do recife, um pequena multidão se formava, atraída pelo som ecoante de imensas conchas sopradas, juntando-se pela curiosidade de ter aqueles forasteiros em suas terras. Quando seus Ikrans pousaram na areia, jogando areia nos rostos daqueles que ousaram se aproximar mais, Neteyam pode ter a primeira visão daquele povo.

Os Metkayinas possuíam um tom de pele esverdeado, diferente dos Omaticayas. Seus olhos eram azuis e seus braços e pernas fortes, além das suas caudas serem diferentes, mais achatadas e largas. Os mais velhos, principalmente os homens, também tinham seus corpos repletos de marcas escuras na pele, como desenhos. Elas iam por todo torso, costas e pescoço, conferindo uma aparência estranha e curiosa aquela gente.

Eles se reuniam com grande curiosidade ao redor dos recém chegados, estranhando seus corpos e características. Neteyam pode ouvir alguns adolescentes tecendo comentários maldosos, como: "Que braços finos" "Olha pra cauda deles, o que era pra isso ser?" "Como eles nadam com isso?", mas preferiu ignorá-los completamente, pelo menos por enquanto. 

Olhando ao redor, entre aquela reunião de rosto desconhecidos que se aproximava, uma coisa que chamou sua atenção foi a chegada de uma Metkayina jovem, provavelmente da idade deles. Ela desceu de um animal marinho ainda na praia, saindo da água e retirando mechas dos seus cabelo da frente do rosto, enquanto caminhava na direção deles. Era inegável que ela era bonita, mas Neteyam não foi o único a reparar nisso. 

Ao seu lado, Lo'ak, seu irmão mais novo, tentava disfarçar seu olhar vidrado e sorriso bobo para a garota. Foi só quando ele reparou que seu irmão mais velho percebeu, que voltou a prestar atenção na situação, pigarreando para tentar disfarçar.

Não demorou muito até que o Olo'eyktan chegasse, recebendo o sinal de respeito dos Sully's e devolvendo-o.

— Eu vejo você, Tonowari, Olo'eyktan dos Metkayinas— disse seu pai, tomando a frente.

— Eu vejo você, Jake Sully — respondeu um homem alto e muito forte, repleto de tatuagens e com um rosto sério.

Foi nesse momento que a concentração de Neteyam foi completamente roubada por um Metkayina jovem, da sua idade, que chegou logo atrás do chefe, sendo provavelmente o seu filho. Enquanto os mais velhos conversavam, tudo que o primogênito dos Sully podia reparar era nesse menino. Ele era um pouco mais alto, e tinha o corpo forte como os outros do seu clã. Seus cabelos eram ondulados, que inevitavelmente o faziam lembrar das próprias ondas marítimas, estavam presos em um coque no topo da cabeça, mas foram os olhos perfeitamente azuis que distraíram o Sully daquele jeito. Eram tão profundos quanto o oceano. 

Ele fez o sinal de respeito, sendo ignorado completamente. A menina que havia conquistado o olhar de Lo'ak ficou ao seu lado. Pelas suas semelhanças, deveriam ser irmãos. Ele também percebeu que o olhar do menino focava nele, mas teve que deixar isso pra depois por enquanto para voltar a ouvir o que seus pais falavam.

— Tudo bem, Tonowari — Uma mulher, que Neteyam julgou ser a Tsahik, falou. Ele sequer tinha percebido ela chegar, bem como havia perdido boa parte da conversa. Notou que ela tinha os olhos parecidos com os do garoto misterioso que o encarava, imaginou que essa fosse sua mãe.

— Jake Sully e a família ficarão — o Olo'eyktan disse, por fim, aumentando o tom de sua voz para que todos pudessem ouvir — tratem-os com respeito, eles são parte do nosso povo agora. Meus filhos, Tsireya e Aonung, ensinarão seus filhos e os treinarão nos nossos costumes.

Então esse era o nome daquele menino, pensou, enquanto voltava seu olhar ao dele.

"Aonung"


Perdido no seu Azul│Aonung X Neteyam │Onde histórias criam vida. Descubra agora