Partida

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Enquanto Neteyam saía dali, Aonung não conseguia controlar seu choro.

O garoto estava caído de joelhos. As lágrimas jorravam vertiginosamente pelos olhos e sentia uma forte dor de cabeça pelo choro intenso. Sem se importar se seria ouvido, Aonung gritava, berrando por uma dor que não diminuiria jamais. Colocava o punho cerrado entre os dentes, abafando minimamente o som, sentindo sua mão sangrar pela pressão com as pressas.

Enquanto voltava para seu marui, Neteyam também chorava. As palavras de Aonung martelavam na sua cabeça. Ouvi-lo dizer que o amava, ali, nessas condições, era algo surpreendente. Uma parte do seu ser lutava para perdoa-lo. Voltar atrás, abraçar o menino e dizer que estava tudo bem.

Mas não estava, não ainda. 

Tudo que ele queria era deitar e dormir. Fazer o tempo passar mais rápido e sua partida vir sem demora. 

O pobre menino achava que a dor que sentia diminuiria se ele esquecesse aquele quem amava, mas seu subconsciente sabia que era impossível deixá-lo por completo. 

Mesmo se fosse embora, uma parte dele ficaria em Awa'atlu

Ao chegar na tenda, ele preparou as coisas da viagem. Pegou comida, seu visor, um manto, alimento para o Ikran, seu arco e algumas flechas. Enquanto amarrava as sacolas, que não eram tantas, acabou dando de cara com o presente que recebera tempos atrás. 

O brilho da pérola não diminuiu, e sua cor ainda era idêntica aos olhos de Aonung. 

Neteyam a segurou com força, terminando de desabar ali. As memórias da cachoeira o atingiram por completo. Lembrou-se do beijo, de ficar deitado sobre o peito de Aonung enquanto recebia carinho nos cabelos recém lavados. Lembrou-se da promessa de que ficariam juntos, e de que como ele acreditou naquilo. 

A pequena pérola fazia evocar dentro de si os sentimentos mais simultaneamente dolorosos e reconfortantes que já sentira. 

Mas ele não poderia levá-la. A mera possibilidade daquilo servir como uma relíquia para os olhos de Aonung o aterrorizava. Estava fugindo para esquece-lo, e levar aquilo consigo era pedir para fracassar. 

Deixou a pérola sobre uma concha aberta, no seu cantinho da tenda. Talvez algum dos seus irmãos a achasse, ou seus pais, e guardassem para ele, para algum dia em que voltasse, ou jogariam ao mar, ou perderiam. Neteyam procurava não se importar. Só queria esquecer. 

Torcia para que essa fosse a última noite que adormecia chorando.

Ainda ouvia os sons da festa à distância, e quando encostou a cabeça no tapete em que dormia, imediatamente começou a chover em seus olhos. 

Ao mesmo tempo, Aonung não fazia ideia de como havia chegado em casa. 

Lembrava-se de estar berrando, pranteando à margem da vila. Eventualmente, caíra ao chão, deitando-se na relva. Suas pernas encolhidas e a cauda retraída o faziam tremer em posição fetal. Ele ficou ali por muito, muito tempo, até que acordou em casa.

Ainda era noite. Não ouvia os sons de festas. Olhou ao redor e viu seu quarto escuro e vazio. Já deveria ser madrugada. Lembrou-se do que havia acontecido, da partida iminente de Neteyam, e a pressão no peito voltou. 

Ele pensava se o menino retornaria algum dia. Talvez, dali a alguns anos, a dor não fosse tão grande. Talvez ele conseguisse pensar no outro sem sentir sua garganta fechar, ou olhá-lo novamente sem sucumbir. Ele tinha tantas coisas para dizer, tanto perdão a pedir. 

Havia sido fraco. Teve medo da mãe, teve medo de lutar. Mas o que ele poderia fazer? Arriscar a integridade dos Sully's? 

Imaginava que quando Neteyam fosse embora, não demoraria para ter que procurar uma esposa, ter filhos e uma família. Isso fazia um calafrio correr pelo seu corpo. Só de conceber tais ideias, imaginava que estava traindo o garoto que amava, mesmo que pensasse que ele não o amava de volta. 

Perdido no seu Azul│Aonung X Neteyam │Onde histórias criam vida. Descubra agora