New Chamor, 20 de dezembro de 2011
Dou uma última tragada no cigarro e largo a bituca no chão, afundando-a com o pé na neve para que se apague. Deixo a fumaça sair aos poucos de meus pulmões enquanto caminho de volta para a igreja.
Helena insistiu para que eu viesse. Não estava muito animada para ajudar crianças a entrarem em suas fantasias de Papai Noel, ou seja lá o que geralmente fazem nessas preparações para o Natal na igreja, mas vim porque decidi ser gentil com minha irmã acompanhando-a, e também porque não saio de casa há alguns dias.
O Natal, para mim, sempre foi qualquer coisa. Apenas mais uma data festiva, apesar de gostar dos presentes. Mas agora que sou uma adulta amargurada e não ganho nada além de camisolas ou desodorantes roll-on, não posso dizer que sou a pessoa mais entusiasmada do mundo para comemorar os finais de ano.
Uma ventania se manifesta pouco antes de eu chegar até a porta, e preciso segurar a touca para que não saia voando da minha cabeça. Foi difícil firmá-la por causa do meu cabelo quase crespo, e não quero passar por essa perturbação desnecessária mais uma vez. Aperto o passo para entrar antes que o vento piore.
Dentro das paredes da igreja, vários grupos de pessoas empenhadas em diversas funções se distribuem por onde há espaço. De um lado, em meio aos bancos de madeira, algumas crianças menores pintam desenhos de Jesus bebê na fazendinha em que ele nasceu, ou algo assim. Mais à frente, outro grupo com crianças mais velhas se enfileiram para ensaiar as músicas, algumas vestidas com fantasias de anjo. Na área dos instrumentos musicais, alguns adolescentes afinam violões e testam o som dos alto-falantes. Em todos os grupos, alguma senhorinha idosa toma controle e lidera a situação. O que não falta em New Chamor são senhoras de idade desempenhando algum papel na igreja.
Está tudo um caos, e o barulho de mil pessoas falando ao mesmo tempo atormenta meus ouvidos.
Procuro Helena entre a multidão, tirando as luvas e as guardando no bolso do meu sobretudo. Logo a encontro junto ao pastor, que conversa com os pais de um rapaz que desapareceu há alguns dias. Não os conheço tão bem para querer entrar no meio da conversa, então espero até que Helena me veja também e aceno. Ela se despede rapidamente do casal e vem até mim.
— Onde você estava? — pergunta ela, em tom de acusação. — Sumiu de repente e não te vi mais.
— Eu fui lá fora bronzear o pulmão — respondo como se não fosse nada, e minha irmã me encara com um olhar de mãe brava.
— Pensei que você fosse parar depois de ser pega fumando no trabalho e te mandarem embora.
— Me demitiram porque um pirralho qualquer foi babaca comigo e eu devolvi na mesma moeda. Eu ter ido fumar depois disso não tem nada a ver.
— Tá, que seja — Helena diz para encerrar o assunto e me leva até a frente da igreja, onde um grande pinheiro de Natal é decorado por alguns membros que penduram bolinhas coloridas e amarram laços nos galhos.
Eles me olham e acenam, e vou retribuindo os cumprimentos. Quando volto a olhar para Helena, ela está com uma caixa cheia de bolinhas azuis erguida em minha direção.
— Pegue e seja feliz!
Pego a caixa de suas mãos e me esforço ao máximo para demonstrar à minha irmã como o último sentimento que tenho agora é felicidade, mas logo acomodo a caixa debaixo de um dos braços e, sem dizer nada, procuro um espaço vazio na árvore para começar a pendurar as bolinhas. Vejo Helena por entre alguns galhos e ela levanta um polegar, sorrindo, e vai para outro lugar.
Desatenta da realidade ao meu redor, fico pendurando as bolinhas nos galhos, algumas maiores, outras, menores, sem pensar muito sobre isso. Preferia estar em casa tomando um chocolate quente, mas, já que decidi ser uma boa pessoa, permaneço focada na minha função.
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A Lacuna
HorrorEstar em New Chamor é como viver o mesmo dia todos os dias. A pacata cidadezinha com pouco mais de dois mil habitantes, cercada por florestas, é um paraíso para aqueles que preferem uma vida mais amena. Perto do Natal, o único acontecimento incomum...