Acordada desde às 6 horas, bocejo frequentemente e lutando para manter os olhos bem abertos enquanto abro caminho pelos galhos e pedras que saem da terra aos meus pés. Seguro o braço de Helena com força, agarrada a ela como uma criança assustada.
Estou com ela e mais três homens na parte oeste da floresta que cerca a cidade. Seu marido da perna quebrada ficou na delegacia com alguns policiais e civis que não quiseram vir, ou que, como ele, nem sequer poderiam. Tenho certeza de que me sentiria mais segura com ele aqui, pois pelo menos o conheço um pouco. Estes homens aqui ao meu lado são completos desconhecidos, e me mantendo colada à minha irmã para tentar me acalmar. Acho isso tudo uma péssima ideia, mas, mesmo tendo vindo por causa de Helena, no fundo sinto que devo ajudar. Esses garotos precisam ser encontrados.
Mesmo que não estejam mais vivos.
O ar congela meu nariz e faz minha boca ressecar. Ainda que esteja usando roupas térmicas apropriadas para o absurdo inverno do norte de Nebraska, tremo de frio pois o pouco calor do sol dissipa-se por entre as enormes árvores. Ainda é manhã e o sol vai demorar muitas horas até desaparecer no horizonte, mas sinto um medo irracional de que ele de repente se apagará, nos mergulhando na total e ameaçadora escuridão.
— Se virem qualquer coisa suspeita, digam — avisa um dos homens mais uma vez. Ele resolveu se auto proclamar o líder do grupo, o macho alfa. Aparentemente, uma necessidade que os homens têm de se impor. Acho que os outros dois não entraram em luta corporal para brigar pela liderança apenas porque o "líder" é muito mais alto que eles. Poderia quebrá-los ao meio feito palitos de dente.
— Isso é ridículo — flagro a mim mesma pensando alto, deixando minhas opiniões escaparem feito um cão assim que a porta de casa é aberta. — Como pode duas pessoas desaparecerem desse jeito e não haver pista nenhuma do paradeiro? Isso só pode ser brincadeira.
Helena segura minha mão mais firmemente, tentando me avisar como é inadequado falar assim em frente aos três homens.
— Parece mesmo, mas é a realidade — diz ela para tentar reparar minha frase, como se eu tivesse dito algo errado. — Precisamos nos concentrar para tentar ajudar as famílias desesperadas.
— Nós devíamos nos separar, assim talvez achemos algo mais depressa — sugere um dos três homens de repente, e reparo melhor nele pela primeira vez. É um ruivo dos olhos azuis, que tem uma barba grande e usa roupas com estampas estilo xadrez. Parece ser forte, mas não tem exatamente músculos definidos. É a própria encarnação do estereótipo de lenhador.
— Você ficou maluco? — elevo meu tom de voz, parando de caminhar. Vejo como Helena está envergonhada, mas me recuso a ficar calada. — Nós já nos separamos. Grupos de cinco, lembra? Você acha mesmo que separar mais uma vez é uma boa ideia? Ainda mais no nosso grupo, que nenhum daqueles policiais covardes quis acompanhar?
— Talvez seja — diz o imaculado líder, um loiro dos olhos azuis. — Não precisamos ir muito longe uns dos outros, apenas o suficiente para encontrarmos mais coisas sem nos perder de vista.
Bufo revirando os olhos. Helena me repreende.
— Sarah, às vezes é muito difícil lidar com você. Se você não acha uma boa ideia, tudo bem. Vamos ficar juntos, mas você não precisa fazer birra que nem uma criança no supermercado.
Encaro minha irmã boquiaberta, sem saber o que dizer.
— Desculpem. Vou ficar quieta.
Volto a segurar a mão de Helena enquanto caminhamos. Percebo que um dos homens, o que não disse nada até agora, amarra alguns barbantes em galhos aleatórios. Está marcando o caminho para que saibamos por onde voltar. Sinto-me no conto de João e Maria, que espalharam pedaços de pão no caminho com o exato mesmo objetivo deste homem agora.
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A Lacuna
HorrorEstar em New Chamor é como viver o mesmo dia todos os dias. A pacata cidadezinha com pouco mais de dois mil habitantes, cercada por florestas, é um paraíso para aqueles que preferem uma vida mais amena. Perto do Natal, o único acontecimento incomum...