Depois de finalmente conseguir cochilar um pouco, acordo com a luz ligada e um pequeno pote de plástico transparente com comida ao lado do meu colchão. Eu passo direto por ele e ao invés disso pego o maço de cigarros e o isqueiro que foram deixados junto ali.
Não consigo fazer minhas mãos pararem de tremer, e chego a rasgar um pouco da caixa antes de tirar um cigarro e agradecer aos céus por conseguir o que tanto queria.
Ela realmente fez o que eu pedi.
Levo o cigarro a boca e o vejo tremendo enquanto tento segurar firme com os lábios. Acendo o isqueiro e depois de encostar o fogo na ponta do tabaco, sugo a maior quantidade de fumaça que consigo e a guio até meus pulmões.
É a mesma sensação de tomar um banho quente depois de dias preso em uma nevasca.
Ainda não consegui parar de tremer, e consigo sentir umas lágrimas escapando. Sopro a fumaça e repito o processo, me odiando por precisar disso tanto quanto preciso de água.
Eu poderia ter evitado o vício, mas ignorei os riscos.
Assim como poderia ter evitado estar aqui trancafiada. Permaneci cega diante de tantos sinais. Eu penso neles agora: Rachel chegando aparentemente do nada, se aproximando de mim enquanto o caos se instaurava na cidade, coincidentemente logo após a sua chegada. E eu me deixei levar. Até a beijei. Como pude ser tão ingênua?
Olhando agora pela perspectiva atual, talvez eu mereça tudo o que aconteceu. É o meu karma por ter sido tão inocente e influenciável.
Também não consigo parar de pensar em Helena. Sinto um aperto no peito todas as vezes em que vejo seu rosto novamente passando diante dos meus olhos, por um segundo que seja.
Ela deve estar se culpando por ter me deixado sozinha durante os meus minutos finais de liberdade. Nós nos separamos e então eu fui capturada. Simples assim.
Como pode, não é? A vida de alguém mudar tanto em questão de segundos.
Mesmo que um milagre aconteça e eu escape daqui, nunca mais serei a mesma. Meu destino foi selado no exato instante em que a Lacuna se revelou.
Eu só paro de divagar quando percebo Lilith encarando os restos de cigarro que amontoei ao meu lado. Sigo seu olhar e vejo que já acabei com seis.
Sinto o rosto ruborizar.
— Pode ficar à vontade — diz ela, meio que ironizando. — Não quero atrapalhar.
Eu fecho a cara para demonstrar irritação e largo meus cigarros no chão, assim como o isqueiro.
— Eu já terminei.
Pego o pote com comida, um macarrão que já está frio, e tiro a tampa para comer. Tiro um garfo de plástico enrolado em um guardanapo e observo a refeição, que não me parece muito apetitosa.
Mas eu não tenho opção de escolha como uma pessoa sequestrada. É isso ou definhar até minhas costelas aparecerem por debaixo da pele.
Assim que dou a primeira garfada e constato que não é tão ruim quanto estava pensando, ouço o som do pote de Lilith sendo fechado e posicionado de volta no chão.
— Ela deve gostar muito de você — minha colega de cela diz. Eu levanto os olhos sem mexer a cabeça.
— Quem? Rachel?
— Sim, a Lacuna.
Termino de mastigar e engolir antes de continuar.
— Por que diz isso?
Lilith aponta discretamente na direção do meu maço de cigarros.
— Ela nunca trouxe nada que eu pedi.
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A Lacuna
HorrorEstar em New Chamor é como viver o mesmo dia todos os dias. A pacata cidadezinha com pouco mais de dois mil habitantes, cercada por florestas, é um paraíso para aqueles que preferem uma vida mais amena. Perto do Natal, o único acontecimento incomum...