PRÓLOGO

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- Você não pode estar falando sério! Pode? - Michel fica para trás abismado com o que acabei de lhe dizer - Não, por favor, Heitor. Não diga que você fica observando o cara da janela do seu quarto o vendo dançando há pelo o menos, o quê? Três meses.

- Estou pensando que sou idiota por ter essa conversa com você - resmungo não retendo meus passos.

- Porra! Cara. Sou seu melhor amigo, sou seu ex-namorado e tenho o direito de saber das suas coisas. - O encaro de canto de olho, o idiota sorria como um menino faceiro.

- Eu praticamente me acho estranho - Ele revira os olhos, - Sou a única pessoa na face da terra, com seu ex como melhor amigo - Ele dá de ombros.

- Você se apega demais aos detalhes - Ele enxota com a mão. - Preciso saber da vida dos outros, é fato, só aceitar e pronto. Ainda mais a sua ser rasa quanto um prato.

Há três meses, um belo rapaz se mudou para o meu bairro, e especificamente para o lado da minha casa. Onde a janela do meu quarto bate com sua sala de dança. Minha vida não tem muita agitação. Ela é tão parada quanto uma noite de segunda. Mas há três meses me vejo querendo voltar para casa, à empolgação de vê-lo dançando ao som de balé clássico. Seus movimentos eram tão leves quanto uma pluma, seu corpo se moldava aos sons da música. A primeira vez que o vi depois de um plantão tão cansativo fez meu coração errar uma batida, se isso é possível, a fluidez dos seus movimentos com a melodia fez-me entender a canção. Sentir calor, sentir vida. Seus braços eram longos, seu corpo firme e malhado, não um abombado, mais natural, sua bunda era redonda e volumosa.

Depois desses dias a volta dos meus plantões se tornaram ansiosas. Esperada por mim, e me peguei sonhando com o dançarino. Em algumas vezes nós nos encontramos, ao colocar o lixo para fora, outra vez quando estava saindo de carro e ele estava na calçada encarando seu celular. Passei tão devagar esperando, ansiando para ver pelo menos a cor dos seus olhos. Mas não tive nada.

- Por que você não está com seus pacientes mesmo? - Ao meu lado, ele suspira forte.
- Não há nada de interessante na minha ala, pelo menos não hoje - Michel parecia animado com algo. - Não é como o seu. Como quando aquele cara apareceu outra noite com o pau quebrado. Como aquilo pode quebrar durante o sexo? O sexo cara!

- Você, como um médico, deveria saber que o pênis masculino não possui osso. O que cara teve foi uma fratura durante a relação sexual. E foi resolvido - O olho sério por rir dos meus pacientes.

- Já disse que você se apega demais aos detalhes. E quando aquele estuprador do caralho apareceu com o braço quebrado, você fez tudo sem anestesia. Meu Deus! Os gritos dele foram tão maravilhosos - Michel estava sério agora - Eu não teria tanta paciência como você teve com ele.

Michel estava com muita raiva naquela noite. Sua irmã foi abusada e espancada até a morte quando voltava da faculdade à noite. Sabia que esse caso era muito delicado para ele, apesar de vim de uma família que tinha grana, o cara nunca foi pego. Por isso acho que sua falta de compromisso se deve ao fato de não se achar bom suficiente para cuidar de alguém. Meu amigo era para ter ido buscá-la na faculdade, mas chegou atrasado. Naquela noite chovia muito e o pneu da moto furou, com o atraso do conserto, sua irmã resolveu pegar o ônibus e desceu na rua errada. Quando a encontrou, ela estava morta.

- Anestesia não serve para ser usada em pessoas daquele tipo - Ele sorri.

Ao longe, o enfermeiro entra com um paciente na marca.

- O que houve com ele? - Coloco minhas duas mãos no bolso do meu jaleco.

- Ele caiu do telhado mais cedo, levantou não sentiu dor alguma, porém agora a noite ao deitar ele gritou de dor. A esposa relatou que ele não parava de gritar. Na emergência deram um sedativo. Ela me entrega seu prontuário.

Paixão de CarnavalOnde histórias criam vida. Descubra agora