Eva está morta

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    -Mais alguma pergunta, senhora Duarte?
    O médico acabou de explicar à Eva o que aconteceu. Estavam um de frente para o outro, Eva na maca, o doutor em pé, rígido e tenso como uma estátua. A história chocou Eva.
    Os vizinhos escutaram barulhos de gritos e ligaram para a polícia na mesma hora, eles chegaram a tempo de levar Eva e Justin até o hospital, mas não para impedir que suas filhas fossem sequestradas. Justin não resistiu. Enquanto isso, o máximo que conseguiram fazer por Eva, foi o coma induzido, ela sobreviveu a cirurgia, mas dormiu durante 10 ano, os médicos não conseguiram acordá-la.
    -A senhora tem alguém? Algum parente para que possa ligar? Você tem família? - o médico estava com um olhar piedoso e preocupado.
    -Eu... eu não sei. - eu tenho uma família, só não faço a menor ideia de onde estão e se ainda não viraram comida de barrete vermelho.
    -Eu deixarei a senhora descansar, quando estiver pronta pode ir assinar alguns documentos no meu consultório. Fica no andar de cima, sala 6. Ah! As enfermeiras deixaram suas roupas ali. - ele apontou para um pequeno armário encostado na parede direita da sala, antes de sair pela porta.
    Eva saiu da cama, ela pôs os pés no chão frio, mas ao tentar se levantar, quase foi ao chão, suas pernas estavam fracas. Ela precisou ir se apoiando até o armário, sorte que o quarto não era lá tão grande.
    Ao abrir, pode ver que eram roupas novas, por um momento, ela pensou que poderiam ser as mesmas que ela usava naquele dia. Essas eram uma calça leggin preta e uma blusa de manga comprida vermelha.
    Vermelha - Eva sorriu ao se lembrar, as memórias agora vinham frescas na sua mente- Essa já foi a cor que eu usava com orgulho. Irônico.
   Ela também teve dificuldade para se vestir, seus braços pareciam mais pesados. Seu cabelo castanho também não estava tão macio quanto antes. Ela se olhou no espelho que ficava na parte de dentro da porta do guarda roupa e viu que parecia mais cansada, mais... velha.
    "Isso nunca aconteceria em Elfhame" - Ela pensou, e vindo tão rápido quanto um soco, outro pensamento a atingiu. - "Elfhame!" - se Madoc levou as filhas de Eva para algum lugar, seria esse. O seu domínio, onde ele tem poder.
    Ela ficou tonta, foi até a cama de novo e se sentou. Precisava encontrar uma forma de conseguir sua família de novo, mas como? Se Madoc souber que estou viva então saberá que vou tentar achá-las, ou pior, se ele souber que estou viva, pode tentar ME achar para terminar o serviço. Eva instantaneamente se lembrou da espada, da ferida, ela levou a mão até as costas, ela sentiu um pequeno relevo - "Uma cicatriz!" - ela pensou, mas aí veio a sua mente - "Mas espera, a espada não tinha atravessado?" - então ela levantou a roupa e olhou seu estômago, e viu outra cicatriz que chegava a medir 4 dedos.
    Mas isso era bom, serviria como lembrete para que não fosse descuidada, assim como Justin foi. Se vangloriando para os seus amigos íntimos, dizendo que tinha roubado os segredos da metalurgia feérica, e além disso, também tinha roubado a esposa de um grande general, como se eu fosse um troféu, como se a ideia que usamos pra fugir tivesse sido dele. Esses segredos que ele contou aos "amigos" foram passando de boca em boca até chegar a ouvidos, que nunca deveriam saber deles.
    "É isso que acontece quando mais de uma pessoa guarda um segredo. Eu deveria ter continuado com o meu plano desde o início, agora eu não estaria assim, ainda teria minhas filhas, e quem sabe teria até mais que isso. Além disso, eu não teria quase morrido."
       E assim, ascendeu uma lâmpada sobre a cabeça de Eva. - "Mas e se eu tivesse morrido?" - ela pensou, Madoc não continuaria se preocupando com a minha possível interferência nos planos que tem para minha filhas, eu ficaria longe de olhares curiosos e poderia fazer o que quisesse, tudo que fosse necessário para recuperar minha família e ninguém saberia.
    "O espelho!"
    Eva foi até o espelho do armário, ela reuniu toda a força que tinha. Socou ele uma, duas, três, quatro vezes, fazendo sua mão ficar suja de sangue e o espelho se partir em vários pedaços pelo chão. Ela foi até uma caixinha de lenços que estava em cima do pequeno criado mudo ao lado de sua maca e se limpou, depois, voltou a olhar o que tinha feito com o espelho, Eva começou a planejar.

•••

    Foram ouvidas 6 batidas na porta em sequência melodiosa, como um dingle.
    -Pode entrar. - o médico falou, a pessoa que entrou não o surpreendeu. -Senhora Duarte! Que bom que já está um pouco melhor, pode se sentar. - ele estendeu a mão para a cadeira que fica de frente para a sua escrivaninha, dá qual ele estava sentado atrás, mexendo em seu computador. -Estou terminando alguns detalhes da sua ficha. - ele deu um sorriso gentil, por um momento Eva sentiu pena.
    -Não se preocupe, pode terminar. - ela foi até a cadeira, mas não se sentou, seus braços estavam atrás do corpo.
    -Então, eu só queria que voc... AAAAH!
    A voz dele saiu de sua garganta, sufocada e úmida. Úmida pelo sangue que veio junto com ela. Eva cravou uma parte do espelho no pescoço do doutor, direto na carótida, seu próprio mari... ex-marido... a ensinou onde apunhalar. Era uma lâmina fina e pontiaguda o suficiente para entrar na carne, metade dela foi absorvida pelo pescoço dele.
    O doutor caiu no chão, se engasgando, sujando tudo ao seu redor e a si mesmo de vermelho. Eva ficou ali de pé, parada, olhando o que tinha feito, sem reação por alguns segundos. Mesmo sabendo como fazer, foi a primeira vez que ela precisou matar alguém.
   A mulher recuperou os sentidos e foi até o computador, ela usou a manga de sua blusa para cobrir o seu dedo indicador, que ela usou para teclar e apagar todos os seus dados. O dia em que foi resgatada de sua casa, a entrada no hospital, informações da cirurgia, a confirmação de que ela sobreviveu, o histórico do coma que estava terminando de ser atualizado antes dela entrar... Tudo. Quando terminou, sabia que não podia perder tempo.
    Ela usou tudo o que restou de suas pernas, atravessou a sala pelo raio, quase arrebentando a porta, correu até a saída de emergência no final do corredor que dava em uma escada. Ela desceu como se sua vida dependesse disso. No caso, sua morte. Ela desceu cinco andares e só parou ao chegar em uma porta com uma placa no topo escrito EXIT. Ela a empurrou, dando de cara com a rua atrás do hospital, estava de manhã, a luz feriu seus olhos, ela dormiu por muito tempo.
    Mas isso não a impediu, Eva continuou a correr, ela continuou em frente, sem olhar para trás uma única vez.
    Agora, Eva Duarte está morta.

De volta do nadaOnde histórias criam vida. Descubra agora