Luma - 3.000 a.C. No Vale dos Dioras, naquele mesmo dia.

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Quilômetros distantes daquela pequena e humilde vila, e muito atrás do paredão de névoa, estendia-se uma imensurável planície, composta por uma grama tão verde que chegava a reluzir. Seu céu não possuía uma única nuvem, o vento era uma carícia sob a pele e a temperatura era precisa o suficiente para beirar a perfeição.

No coração do extenso prado erguiam-se imensas construções, fundadas em mármore branco e calcário, que davam forma a praças, espaços sagrados, lugares de conhecimento, arenas, residências e, no centro de tudo, um imponente castelo, com torres altas e pontudas, daqueles que você só encontra em contos de fadas. Lá, no alto do castelo, em uma das incontáveis torres, estava Luma, de frente para o espelho do seu quarto, julgando o complexo e enfeitado traje do dia.

Devido à ocasião, usava um vestido branco de seda, sem costura, composto por duas faixas presas atrás do pescoço, que se projetavam para frente, em formato de "x", e depois contornavam o quadril, originando uma saia comprida. Folhas de ouro e ramos decoravam quase toda a extensão do tecido. Seu cabelo prateado estava preso em várias tranças de diferentes tamanhos, e a pintura preta, ao redor de seus olhos, parecia formar asas, como as de uma águia, deixando seu rosto com um ar feroz. Não que ela precisasse da maquiagem para isso, seu incômodo já era mordaz o suficiente.

— Linda! — Luma levou um susto com a voz e virou-se para olhar. No batente da porta estava Andreas. — Para ficar mais bonita do que está agora, só com um sorriso.

Andreas era o responsável por aquela fantasia toda. Eleito recentemente pelo conselho para guiar os Diora ao lado de Luma, depois que os pais dela faleceram, ele não poupava esforços para transformar rituais preciosos, noites sagradas e ambientes celestiais em festa.

Ele também estava vestido apropriadamente para o ritual daquela noite, mas de uma forma bem mais simples. Seus cabelos loiros compridos estavam presos em um rabo com uma fita dourada, seus olhos azuis a observavam com intensidade e um sorriso indecifrável preenchia seus lábios. Ele usava uma camisa larga branca, com cordões transpassados no peito e uma calça perfeitamente ajustada de algodão, também branca.

Aquela diferença nas vestes dos dois já tinha causado desconforto para Luma em outras ocasiões, quando ouviu dos membros do conselho que ela estava "chamando atenção de mais para si", enquanto Andreas "sempre se mantinha humilde", mas Luma nunca gostou ou sequer quis usar aquelas roupas.

— Estaria sorrindo mais, se não estivesse me sentindo como um adorno — Luma se arrependeu das palavras logo que viu o sorriso de Andreas desaparecer do rosto, e se tornar uma máscara de desaprovação.

— Luma, você sabe como o ritual é importante, e nós não somos adornos, somos os próximos líderes, precisamos estar lá e manter a tradição. Não existe posição maior, ou contribuição maior.

Enquanto Andreas proferia seu discurso ensaiado de forma categórica, Luma podia ouvir, vindo da janela, os sons das risadas animadas, da música e da festa para o ritual do Equilíbrio. Ela sabia a importância do ritual, é claro, e jamais duvidava disso. O que não fazia sentido para ela, era Andreas tornar aquele momento sagrado em um desfile. Além disso, ela não se sentia um adorno do ritual, se sentia um adorno de Andreas.

Luma pensou bem antes de responder, sabendo que a resposta dela poderia transformar aquele dia ruim em um pior ainda e, por fim, assentiu com calma, forçando um sorriso, que fez a expressão de Andreas relaxar.

— Quem sabe você não vai dar uma volta? — Ao ver o alívio instantâneo estampado no rosto dela, ele ergueu uma sobrancelha. — Sei que estará de volta à meia-noite.

— Acho que é uma boa ideia — Luma se controlou para não ir até à janela com muita rapidez. — Estarei de volta perto do ritual.

Ela não conseguiu ouvir a resposta dele enquanto cruzava o batente da janela, que levava à sacada, e liberava suas asas brancas. Asas que se estenderam três metros para cada lado, refletindo a luz do sol e emitindo uma lufada de ar.

Celestiais - A Pedra, a Lança e o SeloOnde histórias criam vida. Descubra agora