Para o céu

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Após horas sentada do outro lado daquela mesa com cheiro de verniz, as costas de Elizabeth latejavam. Enquanto os demais se esgoelavam na sala de reunião, outrora aparentemente desgostosos com o resultado da apuração da nomeação, ela se escondia no cantinho do pai, em seu escritório. Até que desistiram de requisitar sua presença depois de um por um, bater contra a madeira da porta, o qual estava devidamente talhada com o nome de Thomas como presidente.

Já eram quase 23 horas quando alguém bateu na porta do escritório de maneira ritmada e familiar, como num samba animado. Elizabeth se levantou de súbito e finalmente , depois de horas, destrancou a fechadura. Uma cabeleira loira em um corte desleixado, surgiu pela fresta. Seu sorriso era do tamanho de uma meia lua, a barba por fazer, a roupa florida e despreocupada, o gritinho estapafurdio assim quando encarou a irmã caçula.

—Bethinha!

—Droga, Carlos. Eu odeio quando você me chama assim— sua carranca não demorou muito quando o sorriso do irmão se escancarou na sua direção.
Abriu os braços e ele correu desvairado, pegando-a no colo e a girando pela sala. Ela puxou as pernas a tempo de não acertar um dos jarros preferidos do pai na prateleira.
Carlos, comparado aos outros dois irmãos, não era abençoado com juizo. Era despreocupado, inconsequente e amava gastar dinheiro em qualquer lugar que houvesse diversão. Era um boêmio incurável mas não era maldoso. Ela nunca o viu questioná-la sobre o que realmente era, muito menos condená-la por isso.

—Não acredito que você está de volta. Você nem me ligou, sua birutinha- ele a encarava que nem bobo e finalizou num abraço apertado— Te odeio por ficar longe tanto tempo. Eu tive que aguentar aquela galera baixo astral sozinho.

—Você sabe que foi preciso. Não se faça de sonso- socou seu braço e ele a soltou, sem diminuir o sorriso.

—Necessário, ou não. Você está de volta. E eu estou feliz que minha irmã preferida voltou.

—Bom te ver também, meu irmão- ela se recuperava, ajeitando seu colete com alguns botões soltos— Você sabe o que o papai aprontou comigo?

—Não. E nem vamos falar em desgraça hoje. Eu quero te levar pra um lugar incrível e você vai me contar o que aprontou esse tempo todo lá nos shing ling. Vamos comemorar sua volta em grande estilo.

—Eu preciso terminar isso aqui- apontou para os papéis dos quais foi a única coisa interessante que ela encontrou ali, coisas que Thomas mexia antes de sofrer o ataque. Era curioso como tinha certa urgência em seus atos.— A gente pede alguma coisa e come aqui mesmo. Eu pago.

—Ah, fala sério, Elizabeth. Você está em São Paulo, numa sexta-feira a noite! Eu sei que está querendo mesmo é se esconder dos leões idosos que estão furiosos lá na sala de reuniões- Carlos aponto para trás de si e se aproximou mais do rosto da irmã, agarrou-lhe os ombros e a chacoalhou- Reage, mulher!

—Eu estou bem aqui, obrigada— ela estapeou os braços do irmão e conseguiu se soltar.
Desviou o olhar, içando uma dúzia de pastas negras que estavam soltas pelos armários e as abraçou contra o peito. Afastou-se, rodeando a mesa de mogno para se sentar na poltrona encouraçada, frente as pastas lacradas.  Carlos seguiu atrás, sem hesitar.
Um não foi dito, porém propositalmente não escutado. Ele agarrou-a pelo pulso e saiu arrastando sem cerimônia. Só deu tempo de recolher seu paletó sobre uma cadeira de canto.  Não adiantava brigar, não adiantava dizer não. Era Carlos e ele era conhecido por ser um insistente ganhador.
Ele conseguiu até mesmo despistar os seguranças que insistiam em  seguí-la para qualquer lugar que fosse, a pedido de Jefferson. Sua gangue de gorilas comeu poeira ao dobrar o corredor que dava para o imponente elevador principal. Carlos deu um irônico " tchauzinho" quando as portas de aço se fecharam, pondo uma boa distância entre eles.

A Herdeira (Sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora