Como uma mola idiota

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Uma tarde como aquela era difícil de ignorar. Estava claro lá fora, deixando o dia tão nítido e brilhante que fazia a vida valer a pena. Os pássaros cantavam com mais vontade, as árvores pareciam mais verdes e brilhantes, mesmo visualizadas pelo vidro caro e fosco daquela janela mais cara ainda. E estávamos quase no fim do prédio do hospital gigantesco da família mais influente de São Paulo, se duvidasse, e pensar que tinham tanto dinheiro a ponto de plantar árvores tão robustas e vivas no céu, era de se questionar se até um pedaço da gravidade não os pertencia. E eu até agora eu não sabia por que vim parar justo aqui.

E eu estava agora mesmo frente a frente com um deles, em toda sua beleza escupida com paixão, seus traços refinados, os cabelos pretos como carvão (suspeitava eu que eram tingidos) e os olhos um tanto... Tristes. Médias bolas de cristais verdes e azuis banhando-se de questões e me encarando. Elizabeth Lord. Seu nome era tudo que eu sabia dela. Aparentava ser gentil, simpática, mas era acuada como um filhote de cachorro chutado.

-Qual sua cor de cabelo natural?

-O que?- Elizabeth freou seu monólogo infinito e me encarou com um enorme ponto de interrogação no meio de sua testa perfeita- A cor do meu cabelo?

-Sim.

-Por que? O que isso faz parte de nossa conversa?

-Porque sim! Eu sei que você tinge o cabelo.

-Mas... Triz... Você ouviu o que eu disse?

-Elizabeth, você vai querer mesmo entrar nessa? Você nem me conhece direito. Como pode dizer que sente algo por mim?

-Triz... Estou confusa.

-Sim. Qual a cor natural do seu cabelo? Esta fica legal, mas conheço um cabelo tingido a distância. Você tem cara de Barbie.

Elizabeth murchou os ombros, vencida. Passou sua mão de dedos grandes pelos cabelos que eu sei que são tingidos, deixando escapar um suspiro cansado. E ela realmente está cansada. Ficou horas a fio tentando salvar a vida da minha amiga, e suspeito de que se durasse dias, ela ainda assim ficaria por lá. Porque eu pedi. Elizabeth é tudo que eu menos esperava, mas algo me dizia que deveria manter distância. Muita distância. Eu tinha um plano, um impulso, há tanto tempo que eu receava que ela fosse um senhor perigo para isso. Ao contrário do que as meninas diziam, desde que descobriram que eu a tive no meu quarto, eu tenho a sensação de que fiz besteira.

-Loiro.

-O que?- agora fui eu que corri de meus pensamentos.

-Você perguntou a cor dos meus cabelos. São loiros claros.

-Eu já imaginava. Eu disse que você tem cara de barbie- abri um sorriso sem mesmo perceber- Então... Por que você pinta o cabelo?

-O que você quer comer hoje? Até agora não escolheu.

-Hamburguer de carne duplo com bastante queijo, batata frita e refri. Por que pintou o cabelo?

-Você é bastante curiosa, não é mesmo? Sua escolha pro café da manhã é curiosa e nada saudável- ela ergueu a mão com um sorriso de canto e uma moça bem vestida parecendo uma aeromoça, veio nas nossas direções.

-Deixo as coisas saudáveis para quem se importa- não é todo dia que eu consigo comer um hamburger, mas mantive isso para mim.

-Coisas saudáveis mantém você saudável. O corpo funcionando, a mente. Hm, bom dia. Um hamburguer duplo de carne com bastante queijo, refri, hm... De que, querida?

-De laranja- acho que fiquei miúda pelo querida.

-Então, um refri de laranja, para ela. E para mim uma panqueca de espinafre com ricota, iogurte natural com morangos e um suco de laranja, por favor.

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⏰ Última atualização: Sep 28 ⏰

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A Herdeira (Sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora