Peso

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Nina estava verdadeiramente eufórica. Ela tagarelava agarrada aos dedos de sua irmã mais velha, ao arrastá-la pelo extenso corredor dos quartos principais. Logo quis colo novamente, já que a caminhada era extensa e monótona. Um casarão grande como aquele era facilitado para que se perdessem. Nesse caso, a paciência era a primeira a se esvair pela demora em chegar a seu destino.

Elizabeth sempre achou aquele lugar deveras exagerado. Eram mais quartos que pessoas para ocupá-los. Funcionários demais para mantê-los, labirintos de corredores sinuosos como serpentes em carpetes carmim, cômodos infinitos e ociosos, cheios de vazio e silêncio. Tudo cheirava a vintage, ao vitoriano exagerado de suntuosidade que poluía a visão. Cores descombinadas, bregas, e paredes abarrotadas de pinturas, fotografias familiares que geralmente ninguém pausava seu caminho para admirar. Viu de relance aqueles pares de cabelos dourados ladeados,os sorrisos congelados, forçados diante de flashs, frente a um Thomas naturalmente sorridente e uma Margarete cheia de pose, esta sendo a única morena do clã Lord, na época. Do lado uma foto de seu pai com a pequena Nina no colo, seus cabelinhos achocolatados ralos.

Juntas passaram pelo portal com fios em ciano formando as laterais. Frases em latim desenhavam os detalhes, em ramos.

-Veritas lux mea. Salmos 119:105- ela observava, pensativa- Hm... A verdade é minha luz? Nina, você sabe o salmo 119:105?

-Eu nem sei ler direito ainda- a garotinha espremia uma carinha desentendida.

-"A tua palavra é lâmpada que ilumina os meus passos e luz que clareia o meu caminho".

-Você é igual o papai. Ele também gosta dessas coisas. Eu prefiro peppa pig- Elizabeth deslizou os lábios em um sorriso divertido.

Thomas já havia iniciado seus estudos para ser padre quando adolescente, Elizabeth lembrava-se das histórias que Olívia lhe contou.

Católico. Sim, ele era fervorosamente católico. Falava latim. A bíblia era seu dicionário particular. Aquilo era tão seu, em espírito e mente.

A porta se abriu sem barulho quando as duas garotas Lord atravessaram-na. O inteiror estava escuro e gélido. Um sensor de presença acionou a iluminação guia no chão. A visão da cama gigante centralizada no quarto, cheia de adornos em penachos de pavão, seda importada, lençóis rubros brilhantes. Àquilo não era de seu pai. Thomas era sucinto como ela própria. Era dedo de sua mãe, que sempre foi criteriosa com a qualidade de tudo que se consumia e decorava a mansão. Um furacão de exageros em carne e osso.

Lá estava ele, seu pai, fazendo o coração da médica disparar. Um misto de emoções embaralhadas, a visão doía-lhe com a intensidade de um soco no estômago. Thomas, descansava a sono solto, como se nada tivesse acontecido. Seus lábios finos quebradiços estavam entreabertos, puxando com vagar o ar que se resvalava de seus pulmões cansados.

Um fino tubo, por onde passava oxigênio controlado, estava preso em seu nariz. A barba fulva por fazer, o cabelo que Elizabeth nunca viu tão crescido com algumas mechas esbranquiçadas, o dava a impressão de ter mais idade.

-Pai... Olha como você está- gemeu, com o peito partido ao meio. Nina fez um carinho no rosto da mais velha, percebendo seu pesar.

-Papai só dorme- cantarolou, inocente- Ele não brinca mais comigo e a mamãe não me deixa entrar aqui também. É chato.

-Pode apostar que isso vai mudar a partir de agora - sussurrou para ela e a abraçou apertado- E Me perdoe por não ter vindo ver você antes. Eu juro que é a coisa mais linda desse planeta inteiro. Sei que papai te ama muito.

Nina apoiou as duas mãos contra as bochechas de Elizabeth e riu como resposta. Três dentes estavam faltando em seu sorriso e Elizabeth não podia negar que ainda era o mais encantador que havia visto na vida.

A Herdeira (Sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora