A enfermeira.

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Durante mais um dia inteiro o sol não deu as às caras. Agora notava-se pelo brilho que estava prestes a descer por detrás dos morros que cobriam o horizonte. Virgulino estava do lado de fora do hospital. Estava ansioso, não sabia porquê mas passava por sua cabeça a ideia de comprar um cigarro e fumar. Havia vinte anos que não fumava. Virgulino se esforçou para afastar aqueles pensamentos, na rua os primeiros postes acendiam suas luzes. Decidiu voltar ao quarto onde o filho estava deitado em uma cama. Ainda tinha febre e o médico suspeitava de uma infecção mas não sabia onde.

- vai pra casa pai.

O velho olhou de cara marrada.

- precisa prender as vacas, tratar das galinhas, e vai ter que enterrar o Thor pra mim.

O Virgulino tinha os olhos fundos, claramente cansado.

- eu vou ficar bem.

Joréu achava a cama do hospital tão desconfortável quanto o colchão da casa pequena. Dormiu a tarde toda e ainda sentia sono, a cada certo tempo uma bambeza tomava conta de seu corpo e ele apagava. Foi o que aconteceu logo após ter aquela conversa com o pai, quando despertou novamente sentindo o toque da enfermeira retirando a agulha do soro de seu braço. O pai não estava mais ali.

Abriu os olhos preguiçosamente olhando pela janela viu as luzes amareladas dos postes, já era tarde da noite e a mulher de branco zanzava a sua frente mexendo na haste do soro.

- quando vou receber alta?

Resmungou em um tom tão baixo que não podia garantir que a enfermeira tivesse ouvido.

- quando vou poder ir pra casa?

Silêncio.

- você vai pagar pelo que fez.

Joréu sentiu uma descarga hormonal mudar seu corpo como se o preparasse para correr de um leão.

- oi?

- você vai pagar pelo que fez comigo.

Então pela primeira vez Joréu forçou o pescoço para olhar para cima, para o rosto da enfermeira. Ela tinha o pescoço roxo e uma clara marca de corda em volta. Estava de perfil, a pele de suas bochechas estavam arroxeadas e seus cabelos desgadelhados.

- O que você disse? - perguntou Joréu apoiando com o cotovelo para de levantar da cama.

- Porque você fez aquilo?

A voz saía da garganta da enfermeira sem que esta movesse ou mudasse a expressão do rosto. Era uma voz grossa, metálica e dura.

Quando ela virou e encarou o rapaz tinha uma nariz torto, ou arrancado como se estivesse em decomposição e olhos eram negros de onde escorriam um líquido escuro como sangue podre.

Num súbito Joréu se levantou puxando e derrubando a haste do soro e empurrando o carrinho de medicamentos que obstruía seu caminho, se isolou no canto da parede entre a janela e o armário, enquanto ouvia aquela terrível voz.

- eu disse não, EU DISSE NÃO, EU DISSE QUE NÃO QUERIA.

Aquela voz parecia entre pelos ouvidos, atravessar o cérebro, ricochetear nos ossos do crânio e voltar aos tímpanos.

Se pegou abaixado no canto com as mão nas cabeça e olhos comprimidos, quando o silêncio veio os abriu novamente.

- tudo bem. Tudo bem filho? Foi só uma alucinação. Tá tudo bem.

Quem dizia era uma senhora de cabelos amarelados já esbranquiçados pela idade, usava um óculos de armário fina e vermelha que lhe davam um aspecto gentil e caloroso.

- você estava sonhando.


Noites NubladasOnde histórias criam vida. Descubra agora