CAPÍTULO UM

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SUSAN

— Você está falando sério? Vai ficar trancada em casa quando pode sair comigo e se divertir a noite toda?

Parada na porta do meu quarto, Anna me olha indignada e eu me limito a sacodir os ombros enquanto me ajeito na cama.

— Não estou interessada em sair pelas ruas de Los Angeles nesse calor insuportável. Me deixe ficar quieta na minha cama, pelo amor de Deus.

— Vamos, Susan, é uma oportunidade única. Frank vai nos levar a Venice Beach e depois vamos até uma festa na casa do amigo dele. — Minha amiga caminha até onde estou, se inclina em minha direção e, passando a língua pelos lábios, sussurra quase pornograficamente — festa de gente rica e famosa.

— Não estou interessada.

E é verdade. Não estou mesmo interessada em festas, em ficar rodeada de pessoas desconhecidas, ter que sorrir para todos e fingir que estou feliz. Não tenho a menor intenção de ficar enfiada no meio de uma multidão que parece estar ligada demais em algum tipo de substância que induz a alegria coletiva. Tudo que eu quero é ficar em paz em casa, curtir minha solidão, envolta na saudade que queima meu peito.

— Nossa, você parece um gravador emperrado, repetindo as mesmas palavras. — Ela se joga na minha cama e me empurrando para o lado pergunta — Em que você está interessada, afinal de contas?

Não preciso sequer pensar, e respondo de imediato.

— Em ficar em casa, com o ar condicionado ligado, assistindo TV. Se tiver um pote de sorvete no congelador, melhor ainda.

— Tem sim. — Ela sorri para mim e seus olhos estão cheios de uma compreensão que não necessita ser colocada em palavras — De baunilha, o seu preferido. Bom já que você não vai, eu vou. Não posso perder essa chance, afinal, quem sabe não descubro que Frank é, na verdade, o meu príncipe encantado e que vamos viver felizes para sempre.

— Vai acabar descobrindo que ele é um outro sapo, para variar.

— Olha, — ela torce o nariz e eu mostro a língua para ela — se eu soubesse que você ia ser essa chata toda, não tinha te convidado para vir ficar comigo.

Anna começa a se levantar, mas eu a puxo de volta e a abraço com força.

— Me desculpe se estou chata, se meu coração está partido e minha cabeça cheia de maus pensamentos. Prometo que, daqui para frente, eu vou melhorar, mas hoje não. Hoje quero ficar em casa, sozinha.

— Tudo bem. Eu entendo. Mas não vou deixar você ficar aí o resto da semana. Se for para ficar sozinha, trancada nesse apartamento, melhor pegar sua mala e volta pra Nova Iorque.

— Sua grossa. — Mostro a língua de novo e ela me mostra o dedo do meio.

— Sua boba.

Ela beija minha bochecha e sai, deixando meu quarto cheio do perfume adocicado que sempre foi sua marca registrada. Ligo a TV e coloco em uma reprise de um sitcom que adoro enquanto tiro o notebook de baixo da cama. Nos últimos dias, navegar as páginas de bate papo tem sido minha distração e eu acho que estou um pouco viciada nisso.

Enquanto espero que o computador ligue, vou até a cozinha pegar o pote de sorvete e um copo com água. O calor de Los Angeles é muito diferente do de Nova Iorque e, por mais que eu saiba que ir embora e deixar minha vida para trás tenha sido a decisão mais acertada, eu sinto muitas saudades da minha cidade.

Pego um pacote de salgadinhos no armário, equilibro as coisas na bandeja e volto para o meu quarto gelado, onde a tela do meu computador me recebe com a visão do Central Park como papel de parede. Parece que foi ontem que eu saí de casa para comprar donuts e, quando virei a esquina, dei de cara com Doug, meu noivo, aos beijos com outra mulher.

O CALOR DO SEU TOQUE  - Simone Freire - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora