Capítulo 7

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- Tia Gabi! - Reconheço a voz vindo em minha direção assim que adentro o abrigo.

Maria Rita entrelaça minhas pernas assim como sempre faz. Me abaixo para pega-la no colo e é quase impossível não sorrir com os enormes olhos curiosos, vagando a mãozinha pelo meu cabelo e brincando com os piercings da minha orelha.

- Da o papo. - Poze para o ao meu lado, os braços cruzados e os olhos vidrados nas crianças, assim como eu.

- Nada demais, só vim ver as crianças. - A correria e a gritaria ofuscam a nossa conversa, nos dando brecha para falar sobre qualquer coisa sem precisar medir palavras.

- Ó, tu sabe que eu não gosto de papinho e enrolação. - Sua língua estala no céu da boca impaciente. - Terceira vez que tu brota aqui só essa semana.

Engulo seco. A frequência com que venho aqui é a mesma que eu tenho problemas, e ele sabe disso. Quanto mais merda passa na minha cabeça, mais eu preciso estar em contato com as crianças. Mais eu preciso da inocência e da esperança que elas me transmitem.

- É uma daquelas semanas. - Passo a língua nos lábios e sinto seus olhos me fitando.

Poze, além do Tio, é o único que sabe sobre a morte dos meus pais. Não me arrependo de ter contado, mas agora ele sabe exatamente quando me ler e como fazer isso. E essa porra me incomoda pra caralho, porque agora eu não consigo mais camuflar as coisas com tanta facilidade.

Ele assumiu o comando na mesma época em que eu assumi os negócios do Tio, ambos desconfiados e neuróticos por qualquer coisa. Demorou muito pra construir a confiança entre nós e agora não é mais tão superficial quanto eu gostaria que fosse.

- Hm, tô ligado. - Ele desfaz a postura e se vira em direção ao portão. - Chega ae, já já tu volta ae.

Coloco a Maria Rita no chão e indico as outras crianças com a cabeça, para ela ir até elas. Engulo a bile que sobe a garganta e sigo Poze até a saída do local.

Ele sabe que eu não gosto de falar sobre, mas sempre quando ele percebe que algo tá pegando, me leva até o alto do morro e ficamos lá em silêncio. A vista abaixo de nós me mostrando como sou pequena e insignificante diante do mundo, e que nem que seja por um segundo, nada importa.

Respiro fundo a brisa inebriante no ar e a lembrança amarga que por anos eu havia esquecido que vivi volta a minha mente.

- A gente vai ser amigo pra sempre? - Não tive coragem de encara-lo. As coisas estavam meio bagunçadas, eu vou ter dois irmãos e agora a atenção dos meus pais não vai ser toda minha.

- Eu prometo! - Filipe diz também sem me olhar.

Encostados na enorme árvore que centraliza o quintal da minha casa, ficamos assim por um tempo. Minha mãe havia me dito ontem à noite que eu teria irmãos gêmeos. Ainda não sabíamos o sexo e na hora eu me empolguei com a ideia. Mas então ela me mostrou a foto deles, ainda bem pequenininhos na barriga dela. Eu senti medo.

Filipe me disse que era normal, que um primo dele também ficou assim quando teve um irmão mas depois ele amou a ideia. Mas eu ainda não sei se gosto.

- Pensa, você vai ser a mais legal da escola quando souberem que seus irmãos vão ser gêmeos. - Ele me empurrou com o ombro e eu sorri com a ideia. - Tipo, ele vão ser idênticos. Não é maneiro?

- Talvez. -  Um leve sorriso escapou dos meus lábios. Talvez a ideia não fosse tãaaao ruim assim. - Eles vão roubar meus pais de mim. Eles vão ser o centro das atenções.

- Eu só sei uma coisa. - Ele pigarreou e isso meio que me obrigou a encarar ele. Mas ele me deixou curiosa quando não disse nada depois.

- O que? O que você sabe? - Pergunto e sinto uma súbita vontade de rir. Eu odeio ficar curiosa.

Mas ele não parecia travesso como sempre. Ele estava diferente.

com vergonha.

- O meu centro das atenções vai continuar sendo o mesmo. - Seus olhos castanhos me encaram.

Meu estômago se contorce e a vontade de rir some. Agora eu estava com vergonha. O que ele quer dizer com isso?

Seus olhos me encaravam mais do que o comum, eu estava sendo observada. Ele nunca me olhou assim antes, não que eu percebesse. Seu olhar fez eu querer me esconder, abrir um buraco do chão e sumir. Mas ao mesmo tempo queria o olhar de volta, algo realmente parece diferente.

Engulo a bile que some a garganta e não consigo desviar o olhar, nem fazer qualquer outra coisa. Que droga! O que está acontecendo? Ele não está a fim de mim, é claro que não.

Mas, é isso que as meninas sentem quando gostam de alguém?

Mas eu não gosto dele, isso é ridículo! Ele é mais velho e já deve até ter namorada.

Embora ele nunca tenha falado de uma.

- Crianças? Tá na hora de entrar! - A voz da minha mãe ecoa no quintal nos assustando mas eu não ainda não consigo me mover.

O observo levantar e estender a mão para me ajudar a fazer o mesmo. Seus cabelos cacheados parecem ter mais cor agora e seu sorriso presunçoso está mais bonito.

- Vem, vamos! - Ele disse e ao tocar sua mão, posso sentir que estou vermelha igual um pimentão.

La Máfia com Filipe Ret • By ToryOnde histórias criam vida. Descubra agora