Capítulo 4

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P.O.V Gabriela Muniz

Ret, por mais que não tenha gostado dos deboches do Poze, ouviu atentamente tudo que ele tinha a dizer sobre a distribuição ali no Alemão, quantas bocas tinham dentro de favela, quais consumiam mais, quais consumiam menos, dias que tem baile e etc... Demoramos quase duas horas até que voltássemos pra casa.

Queria ter passado no abrigo antes de ir embora, mas não me senti confortável estando acompanhada, principalmente de um cara que eu mal conheço. E, com as crianças de lá, é o único momento que eu me sinto bem estando vulnerável. E não gosto que ninguém, além delas, veja isso.

- Não, não fuma dentro do meu carro. - Digo quando Ret aproxima lentamente o isqueiro até o cigarro que já está na boca. - Ta surdo, porra? - Ele ascende o cigarro e apenas ri em deboche, tragando e soltando a fumaça logo em seguida. - Vai se foder! - Abaixo os vidros e continuo o caminho.

Otario do caralho!

Avistei de longe uma blitz a nossa frente, logo quando estávamos perto de casa. Ret rapidamente tira a pistola de cintura e faz menção de escondê-la mas para pra me olhar quando escuta minha risada.

- Tá nervoso? - Ele me encara confuso. - Não precisa esconder não, relaxa. - Digo e ainda desconfiado, ele volta com a pistola pra cintura.

Passamos devagar na blitz e os policiais olham atentos pra dentro do carro. Um em específico sinaliza com a cabeça, e eu repito o mesmo sinal. Thiago, aquele ali eu conheço bem. Ficamos algumas vezes, quando eu sinto vontade. E até que ele é bem útil pra coisas além do sexo, tipo liberar eu e os carros que eu quiser em qualquer blitz no RJ. Ele acha que eu sou filha de empresário, e que eu ando com segurança porque sou importante. Bom, não deixa de ser mentira. Tio tinha seus contatos na polícia, e eu queria manter os meus.

Passamos pela blitz e eu sentia que a desconfiança ainda estava no semblante do Ret. Acho que ele ainda não entendeu como funciona o Brasil. Meu celular apita pouco tempo depois, e a mensagem estampada no visor me faz rir. Homens.

+55 21 99886-0000: Não entendi legal esse otario no teu carona não

- Tu se envolve com polícia, Gabriela? - Ret diz uma frase, ou melhor, uma pergunta por completo e eu quase chego a me surpreender com isso.

- 'Tá dizendo que eu consigo o que eu quero por que eu tenho uma buceta? - O indago e por um milésimo de segundo pensei ter visto ele perder a postura. Ri internamente.

- Não foi isso que eu disse. - Ele diz entre os dentes enquanto olha através da janela.

- Você fica melhor calado. - Aumento o volume do rádio e a música que antes tocava baixo, agora interrompe qualquer conversa.

Assim que adentramos a garagem, Ret mal esperou o carro estacionar e já saiu do mesmo, como se não aguentasse minha presença por mais nenhum segundo. Foda-se! Eu também não aguento mais esse insuportável e olha que é só a porra do primeiro dia que ele está aqui.

Insuportável.

Me enfio dentro do quarto planejando ter uma boa noite de sono, mas é impossível. Toda vez que deito nessa cama a minha cabeça retorna ao mesmo pensamento torturante: Como foi que eles morreram? Será que foi rápido e indolor? Será que minha mãe sofreu? Como seria se eles estivessem aqui? E as perguntas seguem sendo doloridas.

Imagino tudo, de todas as formas possíveis. Imagino o nascimento dos meus irmãos, os primeiros passos. Como seria o rostinho deles e como eles deveriam ser chatos quando choravam. Como meu pai ia ficar feliz em ter um menino na família, ele sempre disse que me daria um irmãozinho.

Me viro de um lado, me viro de outro, e de repetente o oxigênio foge dos meus pulmões. Puxo o ar com força me sentindo impotente, fraca. Com a pouca força que eu tenho, caminho até a cômoda e pego o maço de cigarro que deixo lá. Cambaleio até a sacada do quarto e coloco na boca. Meus pensamentos embaralhados dificultam ainda mais minha respiração.

Porra!

O isqueiro falha uma, duas, três vezes e eu o jogo longe. Que caralho! Nem a porra de um cigarro eu sou capaz de ascender, como vou controlar a porra de uma crise de ansiedade?

- Aqui! - Me viro rapidamente em direção ao dono da voz. Agora pronto!

Na sacada ao lado da minha, Ret joga o isqueiro devagar o suficiente para que eu consiga pegar sem que caia no andar de baixo. Levo o isqueiro em direção ao cigarro que já estava na minha boca e puxo profundamente. Aliviada, esperando o efeito da nicotina no meu corpo. Esperando que junto com a fumaça, todos os meus problemas sumam também.

Sento na sacada com as pernas para fora e encosto a minha testa no vidro a minha frente. Pela primeira vez eu realmente não me importo que alguém esteja vendo isso, eu só quero que passe. Só quero desfrutar dessa sensação de alívio só um pouco, porque sei que não vai demorar muito para que todo caos me tome de novo.

O cheiro da maconha me tira do transe, me fazendo procurar o local de origem. Quando olho pra cima, vejo Ret apoiado na sacada me olhando enquanto fuma. Me sinto pequena, inferior, quase como uma coitada. Sentada no chão quase chorando bem na frente de um desconhecido, isso não está nos meus planos. O olhar dele, como todo o dia, indecifrável. Mas eu tenho certeza que nesse momento ele imagina o quão tola eu sou, o quão pequena e frágil eu sou.

- Acabou o show, pode guardar sua pena. - Apago o cigarro e jogo a bituca no canto.

Ret hesita por alguns segundos, continua me encarando do mesmo jeito que antes, sem mudar uma expressão se quer. Então, ele apaga o baseado e se vira em direção ao quarto.

- Você não precisa da minha pena.

La Máfia com Filipe Ret • By ToryOnde histórias criam vida. Descubra agora