Capítulo 6

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P.O.V Gabriela Muniz

Soquei forte o saco de pancadas a minha frente, seguido de um chute e outro. O suor escorre na minha testa mas isso não me impede de continuar, dou uma sequência de socos na tentativa de espairecer, mas é difícil. Os pensamentos me tomam de novo.

Balanço a cabeça e continuo.

O barulho do projétil caindo no chão ecoa.

Será que meu pai a protegeu?

Gritos ao redor.

Ela estava grávida, porra!

As rodas marcam o chão.

Paro quando sinto a ardência mais forte entre meus dedos. Suor escorrendo de todo meu corpo, o cabelo grudado na testa e o saco de pancadas balançando de um lado para o outro. Respiro fundo na tentativa de recuperar o fôlego, impossível.

Abro os olhos e finalmente encaro o estrago que fiz na minha mão, o sangue escorrendo entre meus dedos e ultrapassando a bandagem.

Não gosto de treinar com luva, é confortável demais. Não terei uma luva a postos quando alguém quiser me acertar na rua, e eu preciso me acostumar com isso. Mas a dor...

É ela quem me mantém viva.

É a dor que me mostra que eu ainda estou aqui, que eu consigo resistir. Que o sangue vai secar e no final do dia, é como se não estivesse mais ali.

Ouço o barulho familiar do saco de pancadas ao meu redor e me viro bruscamente para observar quem havia entrado ali.

O grande galpão em que gosto de passar parte do meu tempo fica no último andar da casa, mas abaixo da cobertura. Não era comum pessoas transitando por aqui, e eu raramente tinha companhia.

Outro soco soa no ar e eu observo Ret golpear o objeto. O peito nu e a respiração controlada, os olhos em foco no adversário e a porra das luvas encobrindo o punho fez um sentimento sufocante me tomar. Otário.

- Luvas? Hm. - Um sorriso fraco escapa e eu caminho até a pia enquanto tiro a bandagem.

- Não é muito inteligente se automutilar. - Ele continua os golpes, como se estivesse falando com a parede.

Enfio as mãos sob a água gelada e deixo a ardência tomar meu corpo.

- Não é automutilação. - Resmungo. Ele deve estar preocupado em deixar alguma cicatriz na sua mãozinha de princesa. - Na rua você não vai ter um par de luvas a sua espera, Ret. - Pronuncio seu nome com certo deboche.

- E na rua não é com um saco de pancadas que você vai trocar soco. - Sua voz corta o ar, mais rouca e mais próxima dessa vez.

Uma raiva súbita percorre o meu corpo e suas palavras me soam como um desafio. Cerro os punhos e pego uma das toalhas cuidadosamente enroladas no armário suspenso. O sangue mancha a toalha branca mas não paro até me certificar de que toda a minha mão esteja seca.

- Então me bate! - Me viro para encara-lo, uma nova bandagem já sendo enrolada na minha mão. - Me mostra como é nas ruas, Ret.

Ele ri e balança a cabeça em negação, ou deboche, e retorna a atenção para o saco de pancadas. O que ele pensa que eu sou? Uma criança idiota? 

Com a bandagem devidamente enrolada, caminho até ele. Meu olhos o fuzilando, mas sua atenção se quer se desviou.

- Vamos! 'Tá com medo? - Ele ri novamente. Seguro o saco de pancadas forçando-o a me encarar. - Vamos, porra! - Digo mais alto.

- Gabriela, da licença.

Ele se volta novamente para o saco de pancadas e antes que pudesse golpeá-lo eu o empurro, deixando-o cambalear pra trás desprevenido. Sua expressão se fecha e não demora mais que um segundo para ele se recompor e se voltar para o saco.

O empurro de novo.

- Vamos! - Digo novamente. - Você não tem motivo pra ter pena de mim, né? Você mesmo disse!

Ele me encara novamente e da um passo para trás, retirando as luvas pretas e as jogando no seu lado esquerdo do tatame pronto para desistir do seu treino. Suas mãos vão até a boca limpando o suor, evitando o máximo de contato visual possível.

- Seja homem, Ret! - Dou outro empurrão, mas dessa vez ele nem se quer sai do lugar. - Mostra o porquê de você 'tá aqui! - O empurro de novo.

A raiva me consome, eu preciso que ele reaja. Preciso que ele não tenha piedade de mim e lute de igual pra igual. Preciso extravasar, eu preciso.

Empunho a mão e quando me estico o suficiente para poder acerta-lo, sou puxada e arremessada contra o chão como se fosse uma pena.

Não dou tempo para que ele possa pensar, me levanto novamente e jogo o punho em direção ao seu estômago. Ele se desvia e a pressão que pus no braço me leva pra frente. A raiva me deixando ainda mais ofegante, quase cega para acerta-lo.

Ajeito a minha base e levanto os punhos fechando minha guarda, pronta para me defender caso ele tente revidar. Jogo o punho e vejo o mesmo entrar na base e desviar, agora de frente pra mim com meus punhos em uma dança frenética até tentar acerta-lo novamente.

Movo os pés, girando em círculos ao redor do Ret, e assim que percebe ele faz o mesmo, agora com os punhos também em posição de defesa. Jogo meu punho direito, ele desvia. Em seguida o esquerdo e sinto meus dedos passarem de raspão em sua orelha.

O sorriso presuncoso em seus lábios, me desafiando e duvidando da minha capacidade. Eu sei que está. Meus punhos voltam a minha proteção e jogo meu punho direito em sua direção, mas antes que ele pense que eu trocaria de mão, volto o mesmo punho ainda mais rápido e o acerto bem no queixo.

De guarda baixa.

Ele cambaleia para trás e coloca uma das mãos sobre a boca, me encarando com um sorriso no rosto. O lábio inferior com um pequeno corte, mas o suficiente para o sangue escapar. Saio da base e dou um sorriso satisfeita, não estava próximo de terminar, mas mostrar pra ele que não sou tão fraca como ele pensa já foi o suficiente.

- É melhor parar de usar luvas, Ret.

La Máfia com Filipe Ret • By ToryOnde histórias criam vida. Descubra agora