Assunto Delicado

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*Goiânia*
Há aproximadamente 2 meses

Finalizei a ligação e permaneci com o celular na mão, olhando para a tela enquanto pensava em toda essa reviravolta que estava acontecendo na minha vida. Era a 5ª chamada daquele teor que recebia essa semana, e ainda era 3ª feira!

Ameaças, insultos, xingamentos de todos os tipos. Ora de número não identificado, ora de prefixo que não conhecia. O que mais me revoltava não era o peso da humilhação e a grande possibilidade de impunidade, mas o abalo emocional que toda essa situação estava ocasionando dentro de casa, sobretudo aos meus pais.

Minha mãe era enfermeira aposentada, trabalhou quase sua vida toda dentro de hospital, vivenciando experiências que, muitas vezes, guardava apenas para si. Não é à toa que o saldo dessa vida profissional extremamente desgastante foi uma depressão grave, estabilizada há alguns anos, mas a ansiedade permanecia como sua companheira frequente. Meu pai atuava como advogado num grande escritório. Ele trabalhava de forma independente quando recebeu o convite de um conhecido para integrar a equipe há uns 20 anos. Apesar de amar o que fazia, sua saúde também pagava o preço por anos de dedicação e responsabilidade: hipertensão arterial pouco controlada e um infarto há 7 anos.

[...]

Meu pesadelo começou há mais ou menos 2 anos. O jornal onde eu trabalhava estava passando por sua pior crise financeira, já havia cortado gastos, reduzido o quadro de funcionários, mas nada parecia ser suficiente para evitar a iminente falência. A última esperança veio das mãos de um grupo político que decidiu oferecer uma considerável quantia para investir naquela empresa. Mas como tudo tem o seu preço, em troca nós deveríamos fazer vista grossa a qualquer escândalo que envolvesse esse grupo, elogiando-os sempre que possível e concentrando nossos ataques apenas aos seus opositores. Quando o nosso editor-chefe convocou uma reunião para comunicar as novas diretrizes, a sensação de todos foi de subir ao céu e despencar ao inferno em questão de minutos. O alívio pela salvação do jornal foi seguido pela decepção da "mordaça".

Eu me formei há 12 anos e foi ali que consegui meu 1º emprego. Mesmo não sendo a minha área de preferência, eu aprendi a gostar do que fazia. O jornal era independente, tínhamos total liberdade para falar sobre os mais variados assuntos e sempre com autonomia para expressarmos nossa opinião, desde que as críticas fossem respeitosas e construtivas. Muitos colegas também iniciaram suas carreiras ali e, com o tempo, nos sentíamos como uma família. Com o passar dos anos, infelizmente, acompanhamos a mudança desse cenário e o enfraquecimento do jornalismo independente. Seria questão de tempo para que a crise batesse à nossa porta, assim como já havia acontecido em outros lugares.

Sempre fui muito crítica. Sempre me incomodei em seguir a opinião dos outros sem, minimamente, analisar cautelosamente a situação. Não, eu não tinha nenhum "lado". Apenas defendia o que acreditava ser o certo e fazia críticas, sempre com muito respeito e embasamento, ao que não me parecia justo e nem correto. Isso era o meu lema de vida: analisar toda e qualquer situação antes de expressar qualquer opinião. E nunca, nunca impunha o que pensava em detrimento de opiniões diferentes, pelo contrário, sempre fui apaixonada pelo debate de ideias.

Com toda essa reviravolta acontecendo, não demorou muito para que eu me tornasse a 1ª pessoa a ficar na "mira" do grupo que investiu no jornal. Frequentemente eu era chamada para conversas reservadas com o intuito de "esclarecer" alguns conteúdos da coluna que escrevia e era publicada quase que diariamente. Com o tempo, maiores represálias vieram, diminuíram a periodicidade das minhas publicações, passando de "quase diariamente" para apenas semanalmente, até que, por fim, minha coluna era publicada a cada 15 dias. Se existe uma forma de você acabar com a carreira de alguém que se expressa é justamente silenciando essa pessoa. A gota d'água ocorreu quando, ao escrever sobre um determinado "assunto delicado", eu coloquei uma pitada de humor a fim de amenizar o conteúdo, mas alguém muito mal intencionado fez questão de modificar algumas palavras do meu texto original antes da coluna ser publicada. Nessa altura eu já não tive nem a oportunidade de me defender ou mesmo requerer que fosse iniciada alguma investigação interna para apurar o ocorrido. Eu havia caído numa armadilha! Me vi sozinha, sendo atacada por todos os lados, inclusive dentro daquele local que, durante tantos anos, tinha sido a minha 2ª casa. Era impossível descrever o sentimento que invadia meu coração: decepção, raiva, tristeza, desconfiança, indignação, medo, angústia, injustiça...tudo junto e misturado. Claro que eu acabei sendo demitida e, de quebra, comecei a receber ligações e mensagens extremamente ameaçadoras e nojentas.

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