ℭ𝔞𝔭𝔦𝔱𝔲𝔩𝔬 𝔒𝔦𝔱𝔬

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Quando Azriel fechou a porta, imediatamente se dirigiu ao lavabo, passando pelo corredor em passos rápidos e silenciosos e quando adentrou ao local, fechou a esta porta também, seu corpo afundando até o piso de mármore negro enquanto sua visão se enervoou novamente, as mãos completamente trêmulas conforme o illyriano ofegava, a boca semiaberta em busca desesperada pelo ar quando levou uma das mãos ao próprio coração, sentindo-o prestes a explodir.

Se não fosse tão bom em seu trabalho, não teria disfarçado tão bem. Não teria fingido, por aqueles minutos, que nada daquilo o afetara, que era incapaz de sentir quaisquer sentimentos diante daquele misto de visões sobre a fêmea, ainda deitada ao quarto, completamente silenciosa. Ele não sabia, pelos sete infernos, como alguém poderia passar por tanto e sequer...sobreviver?

Como alguém poderia passar por tamanhas atrocidades e não perder-se na própria mente. Fora esse, o medo de Amren, o motivo pelo qual tentara executá-la, então?  e por um segundo, ele mesmo recuou com aquilo. Não. Por mais que existissem sombras em Astrea, mais do que em a maior parte das pessoas que passaram pela sua existência, ele via. Ele conseguia ver, aquela luz.

Um fio fino e singelo, quase frio ao toque, mas ele o sentia, como um ser vivo, como parte de si. Dessa vez, não sabia ao certo se fechara os seus olhos ou se as suas próprias sombras o atearam a escuridão, mas de alguma forma, estava lá novamente. E desta vez, não se aproximou

Azriel esperou e esperou, enquanto o fio parecia dançar levemente junto a uma certa frequência, até que, por alguma razão, ou talvez os deuses quisessem, o fio finalmente dançou até tocá-lo.

Dessa vez, parecia possuir mais controle sobre o próprio corpo. Como se..de alguma forma, se adaptasse aquilo. Talvez, pensou, não precisasse lutar contra aquilo, e sim aceita-lo. O que quer que fosse. E ele aceitou, esquecendo-se da própria existência quando a viu em um vislumbre,  os cabelos presos em um rabo frouxo próximo a nuca, a armadura prateada e banhada por sangue, Astrea corria, o rosto molhado pelas lágrimas silenciosas quando atravessou um arco, adentrando ao local, e ele a seguiu como uma sombra, parando somente quando avistou a cena a sua frente, se estivesse em sua forma física, teria esbarrado na fêmea, paralisada a sua frente. E quando ele acompanhou seu olhar, seu corpo pareceu congelar como nunca, os pelos eriçando

Havia um guerreiro ao chão, ou o que imaginou que fosse, dado ao seu porte, embora suas feições parecessem gentis, mesmo com os olhos fixos em um ponto invisível, a boca aberta e ensopada de sangue, o estômago dilacerado. Os joelhos da fêmea falharam, e ela, pelos deuses, ela se arrastou, ainda assim, até ele, em uma cena terrível e dolorosa, levando as mãos ensopadas ao rosto do macho, em um choro silencioso. Um choro que Azriel conhecia tão bem quanto o próprio âmago, o vira diversas vezes no rosto de sua mãe.. e agora..

Astrea repousou a testa sob a do homem louro, selando os lábios nos dele e sussurando algo após fechar os olhos dele com os próprios dedos, e falhando ao tentar se reerguer. Falhou e falhou, até que percebesse uma segunda trilha de sangue, e instintivamente se reergueu, correndo em passos quase torturantes até o outro aposento

Azriel queria vomitar. O rastro de sangue sob o chão, ele não percebera...o tamanho dos pés. Os requintes de crueldade estavam espalhados no ambiente, o rastro de mãos pequeninas que pareciam ter lutado contra o que quer que fosse, se seguiam até as cortinas rasgadas, os dorséis da cama partidos e as farpas de madeira expostas

Sua visão embaçou quando seu próprio corpo se aproximou contra sua vontade, o que quer que fosse aquilo, o obrigando, como se desejasse que ele testemunhasse, que soubesse...

O corpo do que poderia ser uma pequena fae estava imóvel na cama, um fio de sangue contínuo lhe escapava pela garganta, ensopando a cama. E ele sabia, antes mesmo que sequer ouvisse, que era uma das filhas de sua parceira.

𝑨 𝑪𝒐𝒖𝒓𝒕 𝒐𝒇 𝑺𝒕𝒐𝒓𝒎 𝒂𝒏𝒅 𝑳𝒐𝒗𝒆Onde histórias criam vida. Descubra agora